“Eu espero que a justiça faça justiça”, foi como Guido Mantega encerrou a entrevista concedida à Folha de S.Paulo, a primeira dos últimos mais de 2 anos de reclusão.
E por que o ex-ministro da Fazenda espera isso? Porque está cada dia mais difícil ver isso ocorrer.
Claro que podemos argumentar que a justiça na verdade só funciona para os brancos e ricos, e refestelarmo-nos que quando são tratados como se fossem pretos e pobres daí reclamam. Mas dois erros não fazem um acerto. E a justiça parece cada dia mais operar como se fosse uma casa de câmbio e sentenciar conforme o ‘viés de alta’.
Guido Mantega foi preso quando estava no hospital, acompanhando a esposa com câncer. Não era sequer uma condução coercitiva. Era mandato de prisão. Como nada havia contra ele, foi solto em seguida. Mas o estrago já estava feito e seu calvário permanece dado o avanço das delações. Daí sua esperança desesperançosa de que a justiça seja feita. Afinal, as delações parecem prescindir de provas.
Marcelo Odebrecht afirmou que Mantega teria lhe pedido R$ 50 milhões. Pedido feito por escrito, num bilhetinho. Aqui pra nós, quem pede 50 pilas num bilhetinho? Mas ok, digamos que isso seja comum entre ministros e donos de empreteiras. Cadê o bilhete? Alguém vem, fala, não prova, e fica por isso mesmo?
Mantega está temeroso mais pelo futuro de sua esposa do que com o seu próprio. Sabe que as delações tornaram-se instrumentos de barganha e perderam completamente o propósito original, se é que algum dia ele – o propósito – foi bem intencionado. Para serem homologadas e garantidamente premiadas, as delações precisam mencionar algum nome de grosso calibre. Sim, mencionar apenas.
Um esquete do Porta dos Fundos de algum tempo atrás explica isso com mais didatismo do que qualquer ensaio acadêmico. Enquanto não arrancou a palavra ‘lula’ do interrogado, o investigador não desistiu. É por isso que hoje vemos Sergio Moro exibir como ‘prova’ um documento sem nenhuma assinatura e exigir que o interrogado explique o que é aquilo.
Enquanto não aparecem as provas em formato de bilhetinho, ou de que tenha comandado o caixa 2 em substituição ao tesoureiro Vaccari, Guido Mantega tem feito anotações em um caderninho, com todas as contradições que anda encontrando nesses depoimentos de gente desesperada por obter benefícios no lugar de penas.
E tem bons argumentos sobre o porque acha que foi perseguido e teve seu nome jogado na lama.
Guido Mantega afirma que negou a prorrogação de uma farra que o empresariado caloteiro vinha aprontando. Empresas ficaram durante dezessete anos se aproveitando de créditos indevidos e, na hora em que perceberam que teriam que devolver a bufunfa pois Mantega havia vetado uma desejada anistia, foram pra cima dele. Marcelo Odebrecht foi o que mais se sentiu ultrajado pois estava acostumado a ser o amigo do rei (de qualquer rei, desde os milicos).
Marcelo é um menino mimado que deu de cara com uma presidente pouco afeita a bajuladores. Dilma não suavizava as coisas para Odebrecht. E Mantega também não cedeu a suas pressões para que ‘desse um alô para destravar um Refis’ (um programa que permite a regularização de impostos não pagos).
É o tal negócio, empresário esperto que sonega até ser flagrado e depois disso chora por anistia, ou facilidades, ou derruba a presidente mesmo.
Ao contrário do senso comum entre os que exigiam o impeachment, espero que o período Dilma Rousseff também seja lembrado futuramente como o governo que mais deixou a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal trabalharem. Se a Lava Jato tomou a dimensão que tomou, isso se deve a Dilma. Ou alguém acredita que tucanos deixariam isso ir em frente?
Mantega, até prova em contrário, deve ser tratado como inocente. E onde estão as provas em contrário? Na deduragem cínica dos desesperados?