A carta foi escrita por Leo Aversa, colunista de O Globo, e publicada hoje no jornal. Segue a íntegra:
Regina, talvez você não se lembre de mim, ou talvez não associe o nome à pessoa. Sou um dos milhares que já cruzaram contigo pelas engrenagens da indústria cultural. Desculpe te tratar pelo primeiro nome e não de Vossa Excelência, como é de bom-tom em Brasília. Permito-me, neste momento, a intimidade. Você, agora, é a responsável pela cultura do país.
Te escrevo porque, no caos que a pandemia trouxe, esta foi uma das áreas mais afetadas: espetáculos foram cancelados, filmes adiados, apresentações não acontecerão mais. Teatros, casas de show, galerias, bibliotecas, ateliês, museus, cinemas, livrarias e circos foram os primeiros a fechar. Quando o vírus for embora e o país voltar a andar, serão eles os últimos a abrir. Uma plateia lotada virou utopia.
Regina, nos seus mais de 50 anos de profissão, você conviveu, na televisão e no teatro, com atrizes, atores, cinegrafistas, maquiadores, camareiras, assistentes, diretores, motoristas, bilheteiros, contrarregras. Milhares e milhares de pessoas que empurraram o carro alegórico para que você pudesse desfilar no alto, acenando para a multidão.
Essas pessoas, Regina, enfrentam dificuldades. Muitas dificuldades. Os que não têm reservas sofrem para conseguir o sustento. Os que têm fôlego financeiro não têm perspectivas, e todos temem pelo futuro. Os profissionais da cultura, que vivem de cachê e ingressos, se perguntam: até quando vamos resistir?
Regina, é você a secretária da Cultura, é você que tem o poder e a caneta. Sei que está há pouco tempo no cargo, mas necessitamos de você agora. Não dá para esperar.
Tenho acompanhado o seu cotidiano pela rede social na qual está presente. Não me incomoda que você, no meio deste caos, com tanta gente dependendo dos seus atos, poste fotos de passarinhos, gatos e mensagens motivacionais. Faz parte, é do jogo, mas não gaste tempo em polêmicas que não são da sua área. Esqueça a cloroquina. Esqueça as bravatas. Do presidente, fale somente o necessário. Ele é a prova viva do que a pobreza intelectual e a miséria cultural provocam. Não entre no jogo sujo. No Palácio, use a palavra entretenimento e não cultura, conceito que os deixa tão assustados quanto um analfabeto na biblioteca. Desvie dos gabinetes do ódio. Não se submeta ao ridículo como os ministros que atuam como assistentes de picadeiro. Seu papel é outro. Se encontrar muitas dificuldades, peça ajuda. Na cultura poucos votaram nele, suas limitações nos eram por demais evidentes, mas ninguém vai te negar auxílio, mesmo indignados com os delírios autoritários do seu chefe. Procure o pessoal da APTR, do IMS, do Itaú Cultural, do 342, converse com o Gil, com a Fernandona, com o Barretão, com o Vik, com o teatro musical, com o de vanguarda. Ligue às escondidas para o Zé Celso. Ouça Chico e Caetano, Anitta e os MCs. Escute a todos. Promova editais de emergência, ofereça financiamentos, libere o Fundo Nacional de Cultura. Ponha a cara. Apareça.
São as pessoas que cruzaram contigo nestes anos todos que agora, mais que nunca, precisam de você. Faça por nós, Regina. Salve a cultura, salve a arte.
Salve-se.