Segurança Pública sonega informações do inquérito contra filha de militar do Exército que ameaça Doria

Atualizado em 27 de novembro de 2020 às 20:22
Paulo Kogos e Cristina Rocha: “Não vamos deixar Doria chegar à Presidência”

A militante de extrema direita Cristina Maria Rocha Araújo, aquela que provocou com taco de beisebol manifestantes pró-democracia, prestou depoimento ontem da Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais e de Delitos de Intolerância (Decradi), como investigada no inquérito que apura a violação do artigo 20 da Lei 7.716/89.

Esse artigo pune com pena de reclusão de um a três anos quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”

A Secretaria de Segurança Pública confirmou o depoimento, mas não deu nenhuma informação sobre os fatos investigados, que não têm relação com o ato na Paulista no dia 31 de maio.

Em nota enviada ao DCM, a assessoria informou:

“A Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais e de Delitos de Intolerância (Decradi) instaurou um inquérito policial para apurar a prática, indução ou incitação à discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, conforme previsto na Lei 7.716/89 (Art.20). As informações colhidas no depoimento citado pela reportagem serão anexadas às investigações e relatadas ao Poder Judiciário, quando o inquérito for concluído. A Secretaria da Segurança Pública é uma instituição legalista e atua exclusivamente para garantir os direitos dos cidadãos e a ordem pública, com absoluto respeito às leis.”

Esta nota curta foi em resposta a sete perguntas:

  1. Cristina Rocha prestou depoimento hoje, conforme intimação encaminhada a ela no dia 4 de junho?
  2. O que ela disse no depoimento?
  3. Que fato gerou a abertura do inquérito no dia 2 de abril deste ano?
  4. Ele foi indiciada?
  5. Como a Secretaria de Segurança Pública se posiciona a respeito da declaração dela de que está em casa na Secretaria de Segurança Pública, por ser amiga do general Campos? Esta declaração foi divulgada por ela própria em vídeo a que tive acesso e noticiei, na videorreportagem cujo link segue abaixo.
  6. Em relação à atitude dela no dia 31 de maio, na avenida Paulista, em que foi até grupo contrário, que protestava por democracia, com um taco de beisebol, existe inquérito aberto?
  7. Se existe, ela já prestou depoimento?

A Secretaria de Segurança Pública, portanto, não respondeu cinco das sete perguntas formuladas, apesar de todas se relacionarem a fatos de interesse público.

O DCM voltou enviar perguntas à Secretaria e aguardou resposta. Depois que a reportagem já tinha sido publicada, a pasta deu, finalmente, detalhes sobre o inquérito:

A pessoa citada é investigada em um inquérito policial instaurado pela Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais e de Delitos de Intolerância (Decradi) que apura a prática, indução ou incitação à discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, conforme previsto na Lei 7.716/89 (Art.20), durante um ato realizado no mês de março em frente ao Consulado Geral da China em São Paulo. As informações colhidas no depoimento da referida investigada fazem parte de uma investigação ainda em curso, razão pela qual não se justifica sua publicidade. O conteúdo será anexado ao inquérito e relatado ao Poder Judiciário quando o procedimento for concluído, como de praxe.

Os episódios relativos às manifestações do dia 31 de maio são investigados pelo 78ºDP.  Até o momento, a pessoa citada não figura como investigada, o que pode ocorrer no curso do inquérito, à luz das apurações, conforme prevê a Lei.  Importante ressaltar ainda que, na ocasião, o policial que interveio na desavença em que ela estava envolvida fez uso do diálogo para retirá-la de perto dos manifestantes do lado contrário, empregando – como deve ser – o uso progressivo da força. Contudo, errou ao não apreender o taco, conforme o próprio secretário da Segurança afirmou publicamente. O policial foi reorientado.

Em que pese à pessoa citada já ter participado de solenidades militares em que o atual secretário da Segurança Pública também estava, não há relação alguma de amizade entre os dois. A Secretaria da Segurança Pública é uma instituição legalista que atua exclusivamente para garantir os direitos dos cidadãos e a ordem pública, com absoluto respeito às leis e sem qualquer distinção entre as pessoas.

A nota anterior era quase vazia e confirmava o que Cristina Rocha disse na véspera de prestar depoimento, quando foi questionada por amigos em grupo de WhatsApp.

Sobre o inquérito, ela afirmou:

“Não é contra mim, é a meu favor. Eu vou relatar o que aconteceu comigo”.

Cristina, que é filha de um coronel do Exército, faz questão de dizer que tem as costas quentes. Em um vídeo (abaixo), gravado no dia 29 de março em frente à casa do governador João Doria, ela disse que, na Secretaria de Segurança, está em casa, já que o secretário, general João Camilo Pires de Campos, seria seu amigo.

“Eu sou amiga do Eduardo Villas Bôas desde os 15 anos, o secretário de Segurança Pública foi aluno do meu pai, meu pai foi subcomandante da preparatória dos cadetes do Exército. Eu sou amiga do Eduardo Villas Bôas, do Mourão, do Campos (secretário de Segurança de Doria), do Pujol. Então, estou em casa, aqui, estou em casa”, disse, em uma live transmitida pelo também militante de extrema direita Paulo Kogos.

Os dois estavam em frente à casa de Doria, que é, em tese, chefe do secretário de Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos.Tinham organizado protesto juntamente com os demais participantes de uma carreata naquele dia.

Kogos e Cristina foram, os outros recuaram. “Ele é um perigo esse cara, um tirano, ele é perigoso”, afirmou, em relação a Doria.

Cristina usa o celular para fazer imagem da casa do governador e manifesta a sua supresa com o tamanho do imóvel. Kogos pede que ela fale mais “dessa desgraça que assola São Paulo que é o João Doria.

“Estou de boca aberta com o poderia dele, financeiro, né? Visível. Ele tem muito dinheiro. É uma fortuna isso aqui que ele tem”, diz.

“Imagino o resto que a gente não sabe. E o medo dele, coisa mais horrorosa… Ele se enterrou. Agora nós vamos fazer uma guerra contra ele. Ele não entra para a Presidência da República. A gente não deixa”, acrescenta.

Em outro trecho do vídeo, ela confessa que, para provocar um muçulmano em uma audiência no fórum de Itaquera, São Paulo, ela rasgou na frente dele um exemplar do Alcorão e pisou em cima.

Cristina aparece no vídeo conversando com os policiais militares que fazem a segurança da casa do governador, enquanto Kogos, conduzindo a live, continua a atacar Doria.

No final da live, ela tira do carro o taco de beisebol, com a inscrição Rivotril e afirma que usa o equipamento como arma.

Ela diz que é de defesa, mas na Paulista estava usando como arma de ataque. Quando o policial pediu que ela saísse do meio dos manifestantes pró-democracia, relatou sua amizade com generais.

Poderia ser só bravata, mas fatos mostram que não. Bem informada, no sábado passado relatou como seria o ato de domingo em Brasília, para onde estava indo.

Ao chegar a Brasília, depois de voar um avião da Gol que saiu às 10h25 de São Paulo, enviou áudio em grupos de WhatsApp.

“O cara do Uber me falou que vieram 11 ônibus de esquerdistas. Agora o Bolsonaro está a nosso favor, né? Eu queria falar com o general Heleno, eu vou, lógico que eu vou. Só que está tudo muito espalhado, ninguém vai chegar perto de ninguém. Inclusive, se começarem, vai ter a Força Nacional para cima deles. Ele vai arregaçar, ele já avisou: ‘Eu vou arregaçar’, ele disse, o próprio Bolsonaro”.

Como se viu, no domingo a Força Nacional estava na Esplanada dos Ministérios, o general Heleno foi até lá para cumprimentar os policiais e Bolsonaro não chegou a se reunir com os manifestantes na Praça dos Três Poderes, como estava fazendo todos os domingos.

Cristina Rocha já sabia disso: “Ninguém vai chegar perto de ninguém”.

A considerar a nuvem de fumaça que a Segurança Pública do general Campos colocou sobre o inquérito por preconceito racial, ela também sabe bem o que acontece nos bastidores da PM e da Polícia Civil em São Paulo: “Não é contra mim, é a meu favor”.

Depois de prestar depoimento ontem na Decredi, na rua Brigadeiro Tobias, São Paulo, ela foi para a Paulista participar de um protesto. Um dos alvos era Doria, o governador que não tem o pleno controle da Segurança Pública.

Na imagem capitada pela CNN, Cristina aparece conversando com PMs, seus amigos, com certeza se gabando, como de costume, de ter mais influência na polícia paulista do que o próprio governador.

Cristina conversa com seus amigos PMs (à esquerda, de calça branca): direto para o ato depois de depor

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A viderreportagem sobre as ameaças de Cristina Rocha:

A live ameaçadora, feita em frente à casa do governador Doria, em que ela fala que tem costas quentes e também confessa ter rasgado e pisado em cima do Alcorão para humilhar um muçulmano:

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Atualização: A Sra. Marcia Cristina de Araújo Rocha, exercendo seu direito de resposta indicou que não concorda com os fatos e opiniões externados nessa matéria, indicando ainda que o quanto noticiado “não compactua, não concorda, nem apoia nenhuma ideologia ou atos de racismo, xenofobia, ou discriminação de qualquer tipo que seja”.