Publicado no Independent.
POR ROBERT FISK
Desde que o Pentágono começou a falar do Estado Islâmico (EI) como apocalíptico, suspeitei que as páginas na web, blogs e YouTube estavam se apoderando da realidade. Inclusive, estou pensando se o “EI” não é mais real na Internet do que é na Terra. Não, por certo, para os curdos de Kobane, yazidis ou vítimas decapitadas deste estranho califado. Mas não seria o momento de termos consciência de que o vício da internet na política e na guerra é ainda mais perigoso do que o das drogas pesadas?
Cada vez mais temos a evidência de que não é o EI quem “radicaliza” os muçulmanos antes de partirem para a Síria – como gostaria que David Cameron deixasse de usar essa palavra – mas, sim, a Internet. A crença, a absoluta convicção de que a tela contém a verdade – que a “mensagem” verdadeiramente é a última verdade – ainda não foi plenamente reconhecida pelo que é; um lapso extraordinário em nossa consciência crítica que nos expõe a mais crua das emoções – tanto o amor total como o ódio total – sem os meios para corrigir este desiquilíbrio. O “virtual” abandonou a “realidade virtual”.
Em sua forma mais básica, é suficiente ler a crueldade dos chats na internet. Os principais jornais – irremediavelmente tarde – somente agora começaram a se dar conta de que as salas de chat não são uma nova versão técnica das “Cartas ao Editor”, mas, sim, um fórum perigoso para que as pessoas expressem suas características mais inquietantes.
Portanto, uma mudança política importante no Oriente Médio, levada para a internet, adquire enormes proporções. Nossos líderes não apenas podem se alterar – o presidente do Comitê da Câmara dos Estados Unidos de Segurança Nacional, por exemplo, na semana passada, empunhando uma versão impressa de Dabiq, a revista digital do EI -, mas podem utilizar os mesmos meios para nos aterrorizar.
Despojados de qualquer crítica, estamos intimidados ao silêncio pela “barbárie” do EI, o “mal” do EI que nas palavras verdadeiramente infantis do primeiro-ministro australiano “declarou a guerra ao mundo”. A faixa de notícias que a televisão mostra na parte inferior da tela agora fornece uma onda destas expressões, deixando de lado a gramática e, muitas vezes, os verbos. Crescemos tão acostumados com a narração de que um muçulmano se “radicaliza” por um pregador em uma mesquita e, em seguida, começa na Jihad, que não nos damos conta do papel que o laptop desempenha.
No Líbano, por exemplo, há evidências de que as imagens de YouTube tem tanta influência sobre os muçulmanos, que de repente decidem viajar até a Síria e Iraque, como tem os pregadores sunitas. As fotografias das vítimas muçulmanas sunitas – ou da “execução” de seus inimigos supostamente apóstatas – têm um forte impacto que não se pode comparar com as palavras por si próprias.
Martin Pradel – um advogado francês que facilitou o retorno de jihadistas agora presos –, na semana passada, descreveu como seus clientes passaram horas na Internet, tendo como preferência o YouTube e outras redes sociais, olhando as imagens e as mensagens comercializadas pelo EI. Eles iam às mesquitas e se separavam de seus familiares e amigos. Um notável informe da AFP fala de uma menina de 15 anos de idade, de Avignon, que foi à guerra da Síria em janeiro passado sem dizer para seus pais.
Seu irmão descobriu que levava vidas paralelas, com duas contas de Facebook, uma na qual falava sobre sua vida de adolescente normal, outra onde escrevia sobre seu desejo de ir “a Alepo para ajudar nossos irmãos e irmãs da Síria”. Pradel disse que a “radicalização” era muito rápida, um caso por mês. Isto me recorda, horrivelmente, das contas dos adolescentes estadunidenses que se fechavam na Internet, durante horas, antes de sair e disparar em seus companheiros e professores de escola.
Na internet, a página do Dabiq – nomeada assim por um povo sírio capturado pelos jihadistas, que supostamente será o lugar de uma futura e apocalíptica (sim, essa palavra outra vez) batalha contra os cruzados ocidentais – é um empreendimento escorregadio. Mas, imprima-a e encaderne-a – tenho uma cópia a meu lado, enquanto escrevo – e verá como ela é crua. Há fotografias de execuções massivas que se parecem mais com as imagens das atrocidades na frente oriental, durante a Segunda Guerra Mundial, do que a publicidade de um novo califado muçulmano. Também está publicada a última mensagem do pobre James Foley, antes de sua decapitação, profundamente triste.
“A equipe Dabiq [sic] gostaria de ouvir seus leitores”, os editores dizem no final, fornecendo endereços de e-mail e conselhos para ser “breve”, porque – acrescentam, com humor, talvez, não intencional – “teus irmãos estão ocupados com muitas responsabilidades e, portanto, não terão tempo para ler mensagens longas.”
Mas esse é o ponto, não é? Seja breve. Manter o comprimento curto. Não adote argumentos longos ou a carta pode ser “modificada” (essa é a palavra que os editores usam).
Não vou me alongar aqui sobre o fracasso da imprensa “mainstream” do Ocidente – uma outra palavra que eu detesto – na definição do EI; os editores da Dabiq habilmente imitaram muitos de seus defeitos. Mas aqueles que são agarrados pelas mensagens da internet – as fotos das vítimas de gases químicos em Damasco no ano passado tiveram claramente uma influência tremenda – não vão ser influenciado por nós jornalistas. Neste novo mundo, podemos perder a cabeça, literalmente. Mas lembre-se da internet. Claramente, o Estado Islâmico tem lembrado.