Sem querer, Satafle converge para o caminho de Lula. Por Gilberto Maringoni

Atualizado em 11 de fevereiro de 2020 às 16:55
Vladimir Safatle durante a conversa no IHU Foto: Cristina Guerini / IHU

Há um artigo de Vladimir Safatle circulando pela bolha progressista das redes sociais. Está colhendo variados elogios. Intitula-se “Como a esquerda brasileira morreu” e foi publicado pelo El País.

Safatle sempre merece ser lido, seja por sua inteligência e extensa cultura, seja por seu compromisso com a democracia e com as causas populares.

MAS ESSAS SUAS LINHAS não ajudam. Trata-se de um desabafo desanimado, mostrando a total incapacidade de a esquerda reagir à escalada fascista. Curioso é que o texto faz sucesso não apenas entre críticos do PT, mas entre apoiadores da agremiação do ex-presidente Lula.

Após valer-se da palavra “terminal” para classificar o atual estado das vertentes progressistas e falar de sua passividade diante da reforma previdenciária, o articulista escreve: “Isso é apenas um sintoma de que a esquerda brasileira não é mais capaz de impor outro horizonte econômico-político”.

Há trechos extremamente pertinentes, como este: “A esquerda governa estados, municípios grandes e pequenos, mas de nenhum deles saiu um conjunto de políticas que fosse capaz de indicar a viabilidade de rupturas estruturais com o modelo neoliberal que nos é imposto agora. Houve época que a esquerda, mesmo governando apenas municípios, conseguia obrigar o país a discutir pautas sobre políticas sociais inovadoras, partilha de poder e modificação de processos produtivos. Não há sequer sobra disto agora”.

SIM, É VERDADE A esquerda governa cinco estados da federação e neles mimetiza reformas pautadas pela extrema-direita no governo central. Destaque vai para Rui Costa, que fecha e privatiza escolas sem que seu partido emita uma vírgula sequer. Comportamentos como esses abrem espaço para que Bolsonaro governe praticamente sem oposição.

Além disso, o autor mostra a lassidão – quase beirando a cumplicidade – dos governos petistas diante dos crimes da ditadura, ao contrário do que ocorreu na Argentina, Chile e Uruguai. Isso contribuiu em muito para que a turma dos porões voltasse com energia redobrada ao Planalto.

O ARTIGO TERMINA com uma quase-sentença: “Numa situação como essa, a esquerda nacional ainda paga o preço de ter sido formada para a coalizão e para a negociação. Esse é seu DNA, desde a política de alinhamento do PCB aos ditames anti-revolucionários do Soviete Supremo. (…) Foi assim que ela morreu. Se ela quiser voltar a viver, toda essa história tem que chegar a um fim. Ela deverá tomar ciência de seu fim”.

A crítica ao PCB era usual nos primeiros anos do PT. Mas é algo genérico. Afirmar que um partido político foi formado “para a coalizão e negociação” não quer dizer muita coisa se não se detalhar a agenda e o programa que tal agrupamento persegue. Qual o programa do maior partido de oposição? Qual o programa da esquerda para o Brasil, além de austeridade fiscal e a esperança num novo boom das exportações? Fora do PT há algumas elaborações em curso.

AO NÃO PROPOR SAÍDAS ou esperanças, o comentário de Safatle se mostra reconfortante, no sentido do antigo ditado de mau gosto: “Se o estupro é inevitável, relaxe”.

Sim, Safatle nos convoca a relaxarmos, pois não há o que fazer. Qualquer inquietação, crítica ou tentativa de avaliar concretamente o que ocorreu nos 13 anos em que o PT governou o país não adianta de nada. “A esquerda morreu”, sentencia.

É curioso perceber que – de forma involuntária e com argumentos diversos – Vladimir Safatle nos leva ao mesmo beco sem saída proposto por Lula pós-prisão. Para o ex-presidente, seu partido não deve fazer autocrítica pelo desastre representado pelo governo Dilma II e pelo estelionato eleitoral. Em suas mais de trinta entrevistas ao longo do último ano, o ex-presidente nos incita a olhar para o passado, para como era boa a vida em seus governos (claramente ele exclui os de sua sucessora) e em como ele foi acusado e preso injustamente por querer apenas o bem do povo.

HÁ MUITO DE VERDADE no que Lula diz. Mas ao não apontar caminhos, ao não falar da vida concreta das pessoas e ao se dedicar essencialmente a montar chapas para prefeituras, Lula também convida todos à paralisia.

Ao não examinar criticamente o que foi feito num passado recente, quais as se torna impossível olhar para a frente. Ao dobrar a taxa de desemprego em dois anos (2015-16), o PT tem extremas dificuldades em sair ás ruas e divulgar seu excelente Programa Emergencial de Emprego e Renda. Sabe que será cobrado por suas ações que redundaram na tragédia no mercado de trabalho que vivemos hoje.

De forma inusitada, Safatle e Lula – involuntariamente, repito – confluem no niilismo e no desânimo que acomete grande parte dos setores progressistas hoje. Esse não parece ser um bom caminho.