Publicado originalmente no site Balaio do Kotscho
POR RICARDO KOTSCHO
“Vai quebrar o recorde do Jânio”, respondeu de bate-pronto o internauta Cecel Peixoto, no final da noite de domingo, assim que publiquei um post no Facebook com este título: “Em resumo: começou a contagem regressiva de um governo que está se auto-imolando”.
Tem cada vez mais gente nas redes sociais achando que Jair Bolsonaro está reprisando a passagem errática e fulminante do ex-presidente Jânio Quadros pelo Palácio do Planalto, que durou apenas 6 meses, em 1961, abrindo uma crise institucional que, três anos depois, desaguou no golpe militar.
Como brasileiro esquece tudo muito rápido, aqui as crises costumam se repetir, ao mesmo tempo, como farsa e tragédia.
Mas eu me lembro muito bem da primeira das muitas entrevistas do general Hamilton Mourão à Globo News, ainda como candidato a vice de Bolsonaro, no dia 7 de setembro do ano passado.
Ao responder a uma pergunta de Merval Pereira, Mourão admitiu que, “em situação hipotética de anarquia”, pode haver um “autogolpe do presidente com apoio das Forças Armadas”.
Naquela ocasião, o vice general acrescentou que não acreditava que isso pudesse ocorrer.
O que Mourão diria hoje, sete meses depois daquela entrevista, com a anarquia generalizada imperando no governo Bolsonaro, antes de completar 100 dias de mandato?
Pelo andar desembestado da carruagem bolsonarista, as previsões sobre o futuro do governo são cada vez mais sombrias, nesta semana em que os militares comemoram os 55 anos da “revolução democrática” de 1964, o novo nome que deram ao golpe militar.
Para quem gosta de comparações, há muitas semelhanças no modo de governar e também enormes diferenças nas biografias de Jânio e Bolsonaro.
Jânio gostava de governar pelos famosos “bilhetinhos” enviados a seus ministros.
Bolsonaro prefere o Twitter para se comunicar diretamente com seus seguidores.
Jânio causou escândalo ao condecorar Che Guevara e manter relações com a China.
Bolsonaro envergonhou o país ao prestar abjeta vassalagem a Donald Trump.
Para os dois, esse negócio de articulação política, base aliada e negociação com partidos é bobagem, o que os levou a entrar precocemente em confronto com o Congresso Nacional.
Jânio, antes de chegar ao Planalto, foi vereador, deputado, prefeito e governador de São Paulo, numa longa e vitoriosa trajetória polícia.
Bolsonaro passou 28 anos no baixo clero da Câmara como líder sindical dos militares, depois de ter sido reformado pelo Exército, aos 33 anos, por atos de indisciplina.
Era apenas uma figura folclórica, sem nunca ter exercido qualquer cargo executivo ou de liderança.
Antes de ser político, Jânio, que também era uma figura folclórica, foi professor de Português e tinha uma intensa vida intelectual, tendo publicado vários livros, inclusive dicionários, que tanta falta fazem aos atuais ocupantes do poder.
Por isso, e com razão, muita gente acha injusto fazer qualquer comparação entre os dois.
Só que a velocidade dos fatos burlescos e beligerantes, cometidos pela nova ordem bolsonariana em menos de três meses de poder, nos levam inevitavelmente a recordar a brevíssima passagem de Jânio Quadros por Brasília.
Até hoje há inúmeras versões e controvérsias sobre as razões da sua renúncia _ entre elas, a de que Jânio tentou dar um autogolpe para fechar o Congresso e o Supremo, e voltar nos braços do povo como imperador.
Nas hostes mais radicais do bolsonarismo, a começar pelos filhos do presidente, como sabemos, tem muitos namorando com esta ideia.
Há também quem atribua o ato de renúncia de Jânio apenas a um porre, já que Jânio tinha fama de bom copo.
A diferença aqui é que Jair Bolsonaro não bebe. É viciado apenas no uso do celular, um perigo.
Vida que segue.