Por Hellen Alves
A Fundação Cultural Palmares tem sido colocada no centro da discussão sobre o que é ser negro no Brasil devido a declarações e ações de Sérgio Camargo, atual presidente da instituição.
As declarações controversas de Sérgio sobre a escravidão, sobre Zumbi dos Palmares, sobre o movimento negro e seus representantes de tempos em tempos repercutem nas redes sociais, gerando ondas de repúdio, mas também sendo endossadas por bolsonaristas.
Recentemente, ele anunciou a exclusão de diversos nomes da lista de personalidades negras da instituição, indicando ainda que alguns políticos e artistas se declaram negros por ‘conveniência política’.
Ontem (08), ele chegou a questionar se Kamala Harris, vice-presidente eleita na chapa de Joe Biden, é negra. Em discussão com José de Abreu, Camargo publicou uma foto em que aparece com uma suástica na testa, acusando o ator: ‘Um dos ataques racistas à minha honra, a mando do Zé de Abreu’.
Quem é Sérgio Camargo?
Sérgio Nascimento Camargo é um jornalista brasileiro, que se define como um negro de direita, antivitimista e inimigo do politicamente correto.
É filho de Oswaldo de Camargo, um dos mais importantes escritores e ativistas do movimento negro; e irmão do produtor cultural e músico Oswaldo de Camargo Filho, mais conhecido como Wadico Camargo.
Wadico já chegou a afirmar que o irmão não possuiu méritos para ocupar a presidência da Fundação Palmares: ‘foi indicado pelos seus posts racistas e preconceituosos’.
Já Oswaldo Camargo, pai de Sérgio, afirmou que eles possuem caminhos diferentes. “[Ele] está dentro da normalidade do governo Bolsonaro. Assim não fosse, lá não continuaria”, concluiu.
Como se tornou presidente da Fundação Palmares?
Sérgio Camargo foi indicado à presidência da Fundação Cultural Palmares por Roberto Alvim, ex-secretário da Cultura e seu padrinho político. Alvim foi exonerado após publicar vídeo parafraseando discurso do ministro da Propaganda de Adolf Hitler, Joseph Goebbels.
Camargo foi nomeado no fim do ano passado por Jair Bolsonaro para a presidência da instituição, que é voltada para a promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos de influência negra na formação da sociedade brasileira.
“Racismo real existe nos Estados Unidos. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda”, afirmou Camargo em publicação nas redes sociais antes de assumir o cargo.
“A escravidão foi terrível, mas benéfica para os descendentes. Negros do Brasil vivem melhor que os negros da África”, disse ele em outro post.
Declarações como essas fizeram com que a nomeação de Camargo fosse suspensa, passando por uma batalha judicial até que fosse novamente liberada pelo então presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha.
Em agosto, um recurso da Defensoria Pública da União para retirá-lo da presidência foi negado pela Corte Especial do STJ. Na ocasião, os ministros apenas concordaram em rejeitar o recurso, e não chegaram a debater o caso, que questionava a liberação da nomeação realizada por Noronha.
No recurso, a defensoria argumentou que a gestão de Camargo “desviou a Fundação Cultural Palmares de suas finalidades legais e dos imperativos que devem reger a administração pública”.
‘Revisionismo’ do movimento negro e os excluídos
A gestão de Sérgio Camargo na Fundação Cultural Palmares tem sido marcada por ataques ao movimento negro e à memoria de personalidades negras, em uma espécie de revisionismo.
“Não tenho que admirar Zumbi dos Palmares, que, para mim, era um filho da puta que escravizava pretos. Não tenho que apoiar Dia da Consciência Negra. Aqui não vai ter zero. Aqui vai ser zero da consciência negra”, afirmou Camargo em reunião com servidores da Fundação Palmares em 30 de abril.
O conteúdo da reunião veio a público após o áudio ser publicado pelo jornal O Estado de São Paulo. Nessa mesma ocasião, Camargo chamou os integrantes do movimento negro de “vagabundos” e “escória maldita”.
Para Antônio Carlos ‘Billy’ Malachias, integrante do Núcleo de Apoio à Pesquisa e Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro da USP, é triste alguém tratar outra pessoa ou uma instituição como uma escória e isso revela o que Sergio é como pessoa.
“O Sérgio é um resultado do racismo, tanto que ele nem se enxerga inserido no racismo, essa negação revisionista da história é uma manifestação do racismo que ele sofre e sofre racismo no interior do próprio governo. E o tipo de racismo que ele sofre é um dos mais cruéis: em que a vítima idolatra aquele que o exclui”, analisa Billy.
Para ele, Sérgio está sendo superdimensionado em suas posturas. “Eu vejo ele inserido num problema muito maior da nação Brasil, presidida por uma pessoa que não tem condições de ser presidente da nação, por ser antidemocrático, por ser autoritário, por ser misógino, por ser racista. Ele está inserido num governo como esse, seja inconsciente ou conscientemente, ele faz parte do processo. Estamos falando de uma coisa maior: Por que o Brasil é tão racista?”.
Sérgio Camargo realizou a exclusão de Benedita da Silva e de Marina Silva da lista de personalidades negras da Fundação Palmares. Sobre Benedita, ele alegou que a exclusão foi feita por que Benedita responde a um processo por improbidade administrativa. Já sobre Marina Silva, ele afirmou que ela ‘não tem contribuição relevante para a população negra do Brasil’.
“Não diria que fiquei surpresa porque se pode esperar tudo de ruim desse governo neofascista e seus indicados para fazer o trabalho sujo. Infelizmente esse é o caso da Fundação Palmares, que tem um presidente que está destruindo a entidade por dentro ao desprezar a história, a cultura, a consciência e toda a luta do movimento negro em nosso país”, afirmou Benedita em entrevista ao DCM.
Camargo também declarou que Marina Silva, Jean Willys, Talíria Petrone, David Miranda e Preta Gil se declaram negros por conveniência. Ele coloque em dúvida a autodeclaração destas pessoas que se identificam como negras.
“O movimento negro reconhece a autodeclaração e, partindo desse ponto de vista, pode se declarar negro quem é preto e pardo”, explica Billy Malachias. Ele afirma que é necessária uma reflexão profunda sobre o tema, pois entende que existem pessoas que se declaram negras para alcançar cotas parlamentares e em concursos.
“Ele [Sérgio] não tem nenhuma autoridade ou credibilidade para declarar quem é negro ou não. No Brasil, a maioria da população é negra, pois o “pardo” das pesquisas do IBGE nada mais é do que um negro ou negra não assumido como tal”, declara Benedita.
Ela ainda relembra que durante os governos de Lula e Dilma, com a valorização da população negra junto com o combate oficial do racismo, se verificou, nas pesquisas do IBGE, a queda dos “pardos” e o aumento dos “pretos”, apenas pelo efeito do orgulho de se assumir negro.
Billy reforça que a exclusão dessas pessoas, sobretudo, Benedita da Silva e Marina Silva, é um desrespeito e que elas são merecedoras de homenagens de outras instituições: “Independente de como Sérgio as enxergue é inegável a contribuição de cada uma delas para a democracia”.
Embora Sérgio Camargo, como representante do governo Bolsonaro na Fundação Cultural Palmares, tente deslegitimar o movimento negro é evidente a crescente luta antirracista e por igualdade racial, como vimos no movimento ‘Black Lives Matter’.
“A duração desse revisionismo de nossa sofrida, mas também heroica história, é a mesma desse governo neofascista que Sérgio Camargo também se identifica. Na realidade o que cresce no Brasil e no mundo é a luta contra o racismo, inclusive com a participação importante de pessoas não negras”, aponta Benedita.
“A luta negra no Brasil, simbolizada por Zumbi e por Dandara, sempre se deu em ambiente adverso. Nada vai apagar aquilo que o movimento negro construiu, essas tentativas de revisionismo não darão certo porque está na alma do povo negro do Brasil a luta”, declara Billy.
Ele aponta que Sérgio representa o interesse branco no Brasil, ele é uma peça negra dentro de um governo branco que tenta desestabilizar as conquistas do movimento negro. “O movimento negro é alvo porque é um agente social e político de mobilização e capaz de decidir eleições, então dividir o que o movimento construiu, em termos de identidade e de consciência, é o papel atribuído ao atual presidente da Fundação Palmares, mas trata-se de uma política do governo brasileiro”.