A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca limitar poderes do STF é “muito aconselhável” segundo o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), nesta terça (21). Pacheco deu essa declaração antes da apreciação da medida em plenário numa coletiva.
O jurista constitucionalista Pedro Serrano, da PUC-SP, fez críticas à PEC, chamando-a de “golpista” e de um verdadeiro atentado à democracia, que precisa da Corte para coibir os bolsonaristas dos ataques de 8 de janeiro e suas lideranças.
Serrano também considera inapropriadas as prisões preventivas da PF agora em novembro e cobra condenações. O jurista também gostaria que o ex-presidente
Pedro Serrano falou com o DCMTV. Confira os principais trechos.
“PEC oportunista”
Você sabe que Carl Schmitt, que foi um importante pensador do Direito e do Estado, talvez o maior pensador que fundamentou o Estado nazista, sempre foi autoritário na minha opinião. Eu participo daquela linhagem de leitura do Schmitt que afirma que ele sempre foi totalitário.
Ele sempre teve por objetivo criar fundamentos para um Estado totalitário, de defender a ideia de um Estado totalitário. Quando surgiu o nazismo, ele aderiu àquilo como um mecanismo para sua realização. Sempre foi um totalitário na minha opinião.
E é interessante que ele tem um livrinho chamado “A crise da democracia parlamentar”. O que você nota que é a técnica retórica e argumentativa? Ele faz críticas, às vezes corretas, sobre a democracia. Um problema que a gente está habituado a conviver que é o eleito representar o ponto de vista não de quem o elegeu mas seus próprios interesses.
É um elemento simples. Ocorre mesmo esse problema. E a gente vive tentando criar mecanismos para lidar com isso, como a fidelidade partidária. Uma tentativa de criar um mecanismo para mitigar esse problema que é um problema da democracia.
Outro problema: A lentidão das decisões. As decisões democráticas porque implicarem um debate, razão pública, ela é mais lenta do que a decisão totalitária. Ele tem uma questão de tempo que é essencial na política. O autoritarismo também. Chegar ao mundo melhor mais rápido na opinião deles.
A democracia é lenta e essa lentidão às vezes atrapalha. Carl Schmitt pega um conjunto de críticas corretas não para melhorar a democracia, mas para destruí-la.
Por que eu faço essa introdução? A crítica de que há um excesso de poder no relator [no Judiciário] se aplica ao Supremo e a todos os tribunais e é verdadeira. Tem um ex-orientando meu de mestrado, que é juiz federal, que fez um excelente trabalho mostrando isso. Como, desde a década de 1940, começou a se fortalecer a figura do relator e isso é um desvio dentro da democracia.
É evidente. Somos o único país no mundo que um ministro isolado do Supremo Tribunal Federal, um só, pode suspender a decisão de três quintos do Parlamento, de uma Emenda Constitucional. Que eu me lembre, só dois países podem fazer isso e o Brasil é um deles. Mas só o Brasil, um único ministro pode suspender.
Esse tipo de estrutura é um erro. A gente precisa corrigir. O problema é que isso deveria vir num momento adequado, no interior de uma grande reforma do Estado que incluiria o sistema de Justiça na Constituição de 88.
A Constituição foi muito correta na defesa dos direitos, talvez seja a melhor no mundo em declaração de direitos, mas tem problemas na estrutura de Estado que precisam ser corrigidos.
Esse debate deveria haver no âmbito de uma discussão mais ampla. E não poderia ser um debate oportunista, como fazem agora. Querem atingir o Supremo e vamos levantar os problemas que existem na estrutura de Estado para atingi-lo, intimidá-lo, manipulá-lo.
O que se quer aí não é corrigir a democracia e sim destruí-la. Em momentos em que há uma ascensão da extrema direita, é importante existir a crítica da crítica. O que significa isso? A gente verificar em cada crítica a intenção por trás.
Tá cheio de gente de extrema direita com a morte do patriota na prisão reclamando das prisões preventivas. Como se isso fosse inédito. Eu nunca vi nenhum deles reclamar quando preto e pobre foi preso. A crítica que eu fiz é absolutamente coerente com a minha trajetória profissional de 40 anos. Eles não!
Tem que se fazer a crítica da crítica. Quando eles criticam os abusos do Supremo, não querem corrigir o STF. Estão querendo destruir o Supremo, a Constituição e a democracia! É importante ao meu ver não cair nesse discurso do Senado.
É oportunista querer mudar esse elemento no Supremo agora. A função não é aperfeiçoar e sim destruir o papel do Supremo. É manietá-lo. Tentar derrubar o papel dele de guardião da Constituição. Por isso eu sou contra essa PEC não pelo mérito dela. No mérito você verá que vários artigos escritos por mim nas últimas décadas criticando esse mecanismo dentro do Estado. Isso torna o Supremo um poder acima dos demais. Mas ele tem que ser corrigido de maneira ampla no Estado, por meio de uma reforma que não seja oportunista, seletiva, não de ocasião.
Tem que ser uma discussão séria. O que está havendo nessa PEC não é um debate sério. Num momento em que o Supremo está cumprindo um papel importante na democracia. Não podemos ingressar nessa. Temos que ser contra a PEC.
É golpe?
Hoje não devemos fazer nada sobre isso. Não estamos em cima do barranco para ver o que fazer. Estamos agora segurando o barranco para não cair.
O Estado está destruído. O governo Lula está reconstruindo o papel mínimo do Estado. Restabelecer o mínimo de atividade digna estatal. Precisamos estar em outro momento.
É claro que essa PEC é golpista! É contra o bom trabalho do STF. Ela busca manipular o Supremo. Impedir o Supremo de exercer o seu papel de guardião da Constituição. Não está tentando melhorar! Tanto que está tentando fazer uma reforma isolada. Tem vários problemas intrincados. Tem que debater com a sociedade isso.
Vou te falar o que eu defendo. Temos que pensar no futuro. Defendo aquilo que a Dilma defendeu e todo mundo a atacou. Inclusive os constitucionalistas, em geral, acriticamente a meu ver. Dilma defendeu no futuro uma Constituinte limitada.
Que não possa debater os direitos fundamentais. Os direitos fundamentais são aqueles que estão na Constituição de 88, que estão no artigo quinto, no artigo sétimo. E fazer isso para debater a estrutura de Estado. Porque há vários déficits ai.
Isso seria ideal não por PEC e sim por Constituinte originária, mas limitada. E é uma bobagem que ela não possa ser limitada.
Nada impede que o povo instaure uma Constituinte democraticamente e sem alterar determinados pontos da Constituição. Todo resto poderia modificar.
Nessa mudança de estrutura, seria necessário repensar o papel do Judiciário e eu sou a favor de uma Corte Constitucional não vinculada ao Judiciário. Como é na Europa. Que não seja o Judiciário responsável por anular atos dos outros poderes em tese. Que possa anular atos do Judiciário, do Legislativo e do Executivo face à Constituição.
Hoje nós fizemos uma salada, um mix, do modelo europeu e do modelo americano. Essa salada gerou um Poder que pode, em tese, anular outros poderes. No bojo disso, não tem sentido um relator ter tanto poder. Só que isso não deveria valer só para o Supremo e sim para todos os tribunais do país. Em todo o tribunal, o relator tem um poder indevido.
Serrano mantém críticas às preventivas – mesmo para patriotas
Se você disser que alguém por ter cometido um crime deveria estar preso preventivamente tem nome e é fascismo no Direito. É um punitivismo de extrema direita.
No período de Stalin, havia legislação penal que previa o direito de defesa para punir alguém por crime comum. É parte da vida civilizada você prever que as pessoas condenadas depois do direito de defesa.
Prisão preventiva é um mecanismo raríssimo de proteção de processo e para crimes violentos. No 8 de janeiro tinha sentido ter prendido aquelas pessoas. Era uma forma de evitar o golpe.
Hoje já passou esse período. Tem que soltar, preso em casa com tornozeleira com outras medidas cautelares, até que haja uma decisão final. Que declare ele culpado e vai haver.
A esquerda tem que ser a primeira a defender isso. O Estado agir de forma civilizada. Porque nós defendemos o Estado.
Fascismo não ganha quando nos prende, mas quando nos transforma em algo parecido com ele. E há pessoas de esquerda defendendo algo parecido com a Lava Jato.
As razões da extrema direita em contraste com a esquerda
Qualquer palavra que nós usamos num debate mais sério nós precisamos pactuar antes o que queremos dizer com ela. 90% dos debates sérios seriam evitados se a gente pactuasse o que queremos dizer com determinada palavra.
Hoje em dia, um dos desdobramentos do esvaziamento de sentido que a internet trouxe, além da extrema direita como ação política, é o império do significante sobre o significado. Isso ocorre inclusive na esquerda, por essa coisa do politicamente correto. Vejo com muita cautela porque tem gente que diz que, se acabar com o universal masculino, acaba com o machismo. E as sociedades que não usam esse universal e são machistas, como fica?
O significante precisa ser sempre interpretado à luz do significado. Ao sentido. Ao contexto. Não há texto sem contexto. O contexto dita o sentido das falas.
O politicamente correto em essência está correto, mas usado de maneira exagerada deturpa a linguagem. A linguagem dita as relações humanas.
Qual é uma das grandes diferenças de nós da esquerda para a extrema direita? Extrema direita quer mudanças sociais por razões estéticas. Pode ver eles falando. Eles querem “harmonia”, “o belo”. Nós queremos transformações sociais. Marx é ultra racionalista e, quando ele quer a mudança, o que ele propõe? Ele quer uma sociedade justa.
Esquerda quer as razões morais, não estéticas. Morais porque queremos pelo que é justo. O cara de esquerda privilegia o justo muitas vezes em detrimento do estético, embora a gente goste do belo, quero a harmonia.
Mas a harmonia para a esquerda só se constrói no que é justo.
Veja a live completa.
Participe de nosso grupo no WhatsApp,clicando neste link
Entre em nosso canal no Telegram,clique neste link