Em meio a essa semana sombria de tragédia aérea e tragédia política – a esperada aprovação da PEC da morte – eis uma notícia que nos acalanta: Demos um passo importante para a descriminalização do aborto no Brasil.
A maioria da primeira turma do STF (Supremo Tribunal Federal) firmou o entendimento de que praticar aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime. Os ministros responsáveis pela decisão são Luís Roberto Barroso,Edson Fachin e Rosa Weber.
Bastou que a decisão fosse publicizada para que surgissem nas redes conservadores indignados levantando-se contra as “mulheres assassinas de criancinhas.” Em favor da descriminalização do aborto, mas, antes mesmo disto, contra a ignorância, listo aqui 7 razões pelas quais a descriminalização do aborto é necessária e urgente.
1 – A descriminalização do aborto é uma questão de saúde pública
Ninguém é a favor do aborto.
Acontece que, existindo ou não leis que o proíbam, o aborto continua a ser praticado – segundo a Organização Mundial de Saúde, são 20 milhões de abortos clandestinos por ano no mundo – e continua a matar mulheres. Ainda segundo a OMS, uma mulher morre a cada nove minutos vítima de abortos clandestinos.
O que defendemos, portanto, é a descriminalização do aborto como questão de saúde pública, para que o Estado pare de violentar mulheres através de suas leis.
Necessário, aliás, neste ponto, que façamos um recorte: quem são as mulheres que morrem vítimas de abortos clandestinos? As pobres, negras e periféricas. As ricas, em geral, conseguem abortar seguramente em clínicas clandestinas por uma bagatela de três a cinco mil reais.
Importa, portanto, saber que a proibição do aborto não é eficaz em fazer com que as mulheres deixem de abortar, mas é muito eficaz em matar mulheres pobres, negras e periféricas.
2 – Motivações religiosas não interessam a questões coletivas
Como já dissemos, e não cansaremos de repetir, a Bíblia não é Constituição.
A bancada evangélica – um parêntese: o fato de existir uma bancada evangélica em um país laico é, por si só, vergonhoso – está a postos para barrar qualquer avanço que o Brasil ouse dar em direção à descriminalização do aborto (e dessa vez não será diferente), mas é de uma estupidez infinita valer-se de argumentos religiosos em uma discussão que diz respeito às mulheres de todas as religiões, inclusive às que não se identificam com religião alguma.
Aborto é uma questão social e política, jamais religiosa.
3 – A maternidade é compulsória, a paternidade não
Apenas no Brasil, mais de cinco milhões de crianças não têm o nome do pai no registro de nascimento, sem falar nos “pais de papel”, que registram os filhos e seguem suas vidas como se nada tivesse acontecido, mas quando a questão da descriminalização é levantada, brotam homens em todos os cantos opinando onde não foram chamados.
Por que tantos homens abandonam seus filhos?
Porque eles podem fazer isso. Porque a sociedade não os julga moralmente e o Estado não os obriga com alguma eficiência a assistirem afetivamente sua prole. Uma mulher que abandona um filho é um monstro para a mídia, para o Estado e para a sociedade. Um homem que abandona um filho é apenas mais um homem.
Se a maternidade é compulsória e a paternidade não o é, cabe apenas a nós, mulheres, discutirmos sobre os caminhos da descriminalização do aborto no Brasil.
4 – O feto não sente dor
A informação é de um estudo realizado pelo The Guardian: o feto humano não sente dor durante as primeiras vinte e quatro semanas de gestação, porque suas terminações nervosas são formadas apenas após a vigésima quarta semana.
Do mesmo modo, a esta altura, o feto também não desenvolveu consciência – logo, não é exposto a nenhum tipo de sofrimento durante o procedimento abortivo.
Portanto você, conservador, tão preocupado com as dores de um embrião fecundado, mas tão indiferente às vidas das mulheres vítimas de abortos clandestinos, pode dormir tranquilo.
5 – A descriminalização não gerará a banalização do aborto
Uma mulher não quer abortar como quem quer ir ao cinema. É estúpido, portanto, agir como se o aborto fosse, de alguma maneira, desejável para qualquer mulher.
Ainda segundo a Organização Mundial de Saúde, países com leis que proíbem o aborto não conseguiram evitar a prática e que contam atualmente com taxas maiores do que nos países em que o aborto é legalizado.
Isso porque a descriminalização é acompanhada de uma estratégia séria de planejamento familiar e acompanhamento psiquiátrico.
O aborto não se transformará no esporte favorito das mulheres brasileiras acaso seja legalizado – muito pelo contrário, aliás.
6 – Métodos contraceptivos falham
Uma pesquisa realizada pela UnB (Universidade de Brasília) apontou que entre 70,8% e 90,5% das mulheres que praticam o aborto no Brasil já têm outros filhos e fazem uso de métodos contraceptivos regularmente – o que reforça a tese de que o aborto seria medida de planejamento reprodutivo – empregado em último caso, quando os outros métodos contraceptivos falharam.
Importa dizer, ainda, que, comprovadamente, não há nenhum método contraceptivo totalmente seguro. Isso significa que o aborto não é uma prática que busca meramente corrigir a negligência do mau uso dos métodos contraceptivos.
Por fim, é certo que defender o prosseguimento da gestação como punição pela negligência dos pais no que se refere a métodos contraceptivos pressupõe que filhos indesejados funcionam como “punições.”
Crianças não são punições.
7 – Ser contra o aborto não é ser pró-vida
O discurso pró-vida é o menos lógico e mais cansativo de todos os discursos anti-aborto.
Não há nada de moralmente admirável em defender o nascimento de uma criança indesejada, que provavelmente chegará ao mundo sem aparato material ou afetivo adequados e crescerá em condições adversas. Se esta criança, pelo seu histórico de privações, sucumbir ao crime, este mesmo conservador pró-vida dirá que “bandido bom é bandido morto”.
Querer que a criança nasça sem se importar com o tipo de vida que ela terá não é ser pró-vida, é ser pró-nascimento.