Na semana passada, ao apresentar o pedido de novas diligências no processo sobre o sítio de Atibaia, os advogados do ex-presidente Lula informaram que a juíza Gabriela Hardt não tinha designação para atuar nos processos da Lava Jato.
Substituta de Sergio Moro, havia uma vedação explícita nas portarias do Tribunal Regional Federal da 4a. Região para sua atuação nos processos da Operação Lava Jato.
A defesa também informou que a juíza deixou de ter autoridade na 13a. Vara da Justiça Federal no dia 18 de novembro, domingo. Procurada pelo DCM, a assessoria do TRF-4 informou que, a partir desta data, Gabriela entraria em férias.
Ao refutar a própria incompetência para atuar na Vara que foi de Moro, Gabriela juntou um e-mail que recebeu na segunda-feira, dia 19 de novembro, do corregedor do TRF-4, em que sua designação foi prorrogada até 30 de abril de 2019. As férias foram canceladas.
Suas designações anteriores foram feitas através de portaria e esta, por e-mail. A informalidade da designação chama tanto a atenção quanto o período — sua substituição vai até 30 de abril —, período suficiente para produzir o que já se espera dela: pelo menos uma nova condenação do ex-presidente.
Na verdade, ela está com dois processos que envolvem os ex-presidente. Um é sobre o terreno comprado pela Odebrecht que supostamente estaria destinado à construção do Instituto Lula (nunca houve instituto lá, existe hoje uma revendedora de automóveis sem nenhuma ligação com o ex-presidente) e o aluguel de um apartamento vizinho ao de Lula, em São Bernardo.
Nesse processo, a sentença pode sair a qualquer momento.
O outro processo é sobre o sítio de Atibaia, que pertence a Fernando Bittar. Depois do depoimento do ex-presidente, na quarta-feira da semana passada, a juíza deu prazo até segunda-feira para que os advogados apresentassem diligências finais, para esclarecer pontos obscuros do processo.
A juíza indeferiu todos os pedidos, inclusive aquele que pedia a manifestação dos peritos da Polícia Federal sobre parecer técnico que desmentia o principal ponto da acusação do Ministério Público Federal.
Segundo os procuradores, o dinheiro que custeou a reforma do sítio de Atibaia saiu do Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht.
Mas o parecer técnico da defesa, realizado por um perito e auditor, mostra, claramente, que os recursos apresentados pela Odebecht como sendo os da reforma, tiveram outra destinação.
Quem ficou com o dinheiro foi Ruy Lemos Sampaio, homem responsável pela administração de bens pessoais de Emílio Odebrecht, conforme apontava uma reportagem do Intercept, de 2016.
Se o dinheiro da reforma do sítio não veio da Odebrecht, por que Lula está sendo julgado em Curitiba?
A razão do processo ser levado para lá é que haveria vinculação com a Odebrecht, empresa que teve contratos com a Petrobras.
Se não há vinculação com o alegado departamento de propinas da Odebrecht, a Vara que foi de Moro não deveria receber o processo.
Pela Constituição, não existem no Brasil tribunais de exceção. Não é o juiz que escolhe quem quer julgar, mas critérios definidos em lei.
Um dos critérios é a localização do suposto delito.
O sítio de Atibaia fica em São Paulo, e é neste Estado, portanto, que deveria correr a ação.
Mas foi para Curitiba sob a justificativa de que haveria ligação com os contratos da Odebrecht com a Petrobras.
Os peritos da Polícia Federal poderiam esclarecer o parecer da defesa de Lula, até para desmenti-lo, se fosse o caso.
Outro pedido indeferido por Gabriela Hardt é o depoimento de Rodrigo Tacla Durán. “O seu eventual testemunho sobre a ‘idoneidade dos sistemas paralelos da Odebrecht’ em nada contribuirá para esclarecimento do feito. Além desta questão não ser essencial ao deslinde da causa, deve ser considerando que se trata de pessoa investigada por fatos correlatos, e que por tal razão possui o pleno direito de silenciar ou até – e infelizmente – mentir no interesse de sua defesa, sendo inoportuno ainda o momento processual em que requerido tal pedido”, escreveu a juíza.
O argumento de Gabriela Hardt não se sustenta se se levar em consideração que foi o depoimento de uma pessoa investigada, o ex-presidente Leo Pinheiro, que fundamentou a condenação de Lula no processo sobre o triplex do Guarujá, e agora também reforça a acusação do Ministério Público.
Se o depoimento de um co-réu serve para acusar — e até para condenar —, por que o depoimento de um investigado não pode ser levado em consideração para defender.
Até porque Rodrigo Tacla Durán costuma reforçar suas denúncias com documentos que podem ser periciados.
Ex-advogado da Odebrecht, ele apresentou, por exemplo, cópia periciada de seu celular para reforçar a denúncia de que Carlos Zucolotto Júnior, amigo e compadre de Moro, pediu 5 milhões de dólares para conseguir benefícios em um acordo de delação premiada.
Tacla Durán tinha acesso ao sistema de comunicação da empresa, o Drousys, e já mostrou que documentos transmitidos nesse sistema são diferentes daqueles que foram juntados na acusação do MPF, um indício de que a acusação contra Lula e e outros réus tem prova forjada.
Gabriela Hardt gasta doze parágrafos de seu despacho, divulgado hoje, para defender o ex-titular da pasta, acusado por Lula de proteger Alberto Yousseff.
“A menção feita no interrogatório de Luis Inácio Lula da Silva à pessoa de Alberto Youssef em nada tem relação com o objeto dos autos, sendo clara a gestão para tumultuar o feito, momento no qual fez inclusive falsas afirmações”, afirmou.
Não são falsas as afirmações de que, em 2006, oito anos antes do início da Lava Jato, Moro tomou conhecimento formalmente de que Yousseff havia voltado a operar no esquema de lavagem de dinheiro do deputado José Janene.
Gabriela Hardt afirma que Yousseff não teve o sigilo quebrado por Moro nesta época. É verdade. Mas ela não diz que a revelação foi feita na quebra de sigilo de um assessor de Janene, Roberto Brasiliano, que relata como e onde Yousseff operava.
A magistrada também não menciona o fato de que o delegado da PF responsável pelas escutas, Gérson Machado, comunicou a Moro que Yousseff havia violado o acordo de colaboração celebrado com ele (juiz) em 2004, conforme reportagem do DCM, na série sobre como a Lava Jato se transformou em um instrumento de perseguição política.
Em 2016, o delegado Gérson Machado, por iniciativa da defesa da Odebrecht, prestou depoimento em Curitiba.
Um advogado perguntou se ele havia denunciado ao juiz que Yousseff mentiu no acordo de delação premiada em 2004. Machado confirmou.
O advogado perguntou se se tratava da informação de que Yousseff escondeu 25 milhões de dólares no acordo de delação premiada.
“Não sei se o valor era esse ou mais ou menos isso. Fiz a representação, sim, estou lembrado”, afirmou.
Machado confirmou ainda que, em fevereiro de 2006, participou da audiência com o juiz Sérgio Moro para apurar eventuais omissões e contradições no acordo de delação premiada de Yousseff.
Moro não tomou providências.
O despacho em que Gabriela Hardt rejeita todos os pedidos de diligências no processo sobre o sítio de Atibaia confirma que ela tem pressa.
Ela deu prazo até 7 de janeiro do ano que vem para Ministério Público Federal, Petrobras (como assistente de acusação) e os advogados de defesa entreguem suas alegações finais.
Depois disso, ela poderá sentenciar Lula.
Como recebeu designação até abril do 2019 para atuar na Lava Jato, terá tempo de sobra para concluir o que, com certeza, interessa a Moro e ao governo Bolsonaro: a segunda condenação de Lula, para alimentar a lenda de que a justiça é imparcial — e Moro agiu apenas como juiz, e não político, quando condenou Lula em julho de 2017 no caso do triplex do Guarujá.