Os inimigos cairão matando. Os eleitores não darão bola aos ataques. E Lula, como reagirá?
Pelo que se conhece até agora, a história de Lula e Rose pertence a um mundo antigo. Seria ridiculamente banal não fosse Lula ser Lula.
Nesse mundo antigo, longos casamentos eram mantidos quase sempre assim: a mulher cuidava da casa e dos filhos, e o marido pagava as contas. Num ambiente tão romântico quanto uma reunião do Rotary, o marido acabava com uma amante.
Desde que as contas continuassem a ser pagas e as aparências mantidas, estava tudo bem. Ou pelo menos parecia. As crianças não podiam prescindir de um lar clássico, era o que se pensava.
Rubem Braga captou, com fino humor, isso. Numa crônica, falou de um casal de velhinhos que andava de mãos dadas todos os dias pela orla da praia. “Ele a detestava, ela o desprezava”, escreveu Rubem.
Na política, reduto por excelência do conservadorismo, o fenômeno dos casamentos intermináveis sempre foi ainda mais forte.
Na França liberada, o primeiro presidente divorciado foi Nicolas Sarkozy. O presidente François Mitterrand passou todo o seu tempo no Palácio de Champs Elysée mantendo uma amante e uma filha num apartamento bancado pelo Estado. Um debate presidencial na tevê entre Mitterrand e seu adversário Chirac
foi mediado por uma jornalista que tinha um caso com ambos.
Na Casa Branca, Kennedy dizia que tinha dor de cabeça se passasse um dia sem sexo, e ele não estava se referindo às relações com a primeira dama Jacqueline.
Ainda na Casa Branca, décadas depois, Bill Clinton jurou que não tinha feito sexo com uma certa estagiária de 22 anos. E eles estão juntos, Hillary e Bill, provavelmente representando na vida real o casal da crônica imaginária de Rubem Braga.
Na Itália, o premiê Berlusconi usava o avião governamental para se deslocar com amigos e garotas bem pagas para sua mansão na Sardenha, palco de orgias grupais conhecidas como bunga-bunga.
Na história do Brasil, as histórias assim são rotineiras. Rute permaneceu com FHC mesmo quando ele achava – sem razão, afinal — ser pai do filho de uma jornalista da Globo. Todos os jornalistas sabiam e fofocavam sobre isso, mas ninguém publicou nada enquanto FHC foi presidente.
Era, em suma, o mundo velho.
Hoje, a aceitação social do divórcio e a conquista de espaço das mulheres mudaram tudo. Mas – no campo pessoal — é importante entender a história de Lula e Rose sob esta ótica, a antiga, e não a moderna. Atire a primeira pedra quem, da geração de Lula, não percorreu o mesmo caminho.
Tudo isso considerado e pesado, é inadmissível, naturalmente, premiar paixões com empregos pagos pelo contribuinte. Esposas à antiga podem suportar, mas o contribuinte não tem nada a ver com isso.
Se a reforma dos costumes chegasse mais rapidamente à política, ficaria mais fácil rastrear favorecimentos dessa natureza. O político A se separa para casar com seu amor B. Logo, B não recebe nenhum tipo de vantagem porque as coisas estão sob a luz do sol.
Os inimigos de Lula explorarão este caso com fúria, com hipocrisia e com impiedade. Darão ao episódio uma dimensão provavelmente muito acima da realidade. E martelarão, e martelarão, e martelarão.
A voz rouca das ruas tenderá, como em outras ocasiões, a dar seu desconto com aquela sabedoria que ninguém sabe exatamente de onde vem. “Ah, estão querendo ganhar no grito”, será provavelmente a reação dominante entre os admiradores de Lula, sobretudo naquele extrato que decide eleições, os 99%. “Por que não falam nas amantes dos outros e seus cargos?”
Resta saber como Lula, pessoalmente, reagirá. Os imperadores orientais costumavam largar tudo, concluído o seu trabalho, para meditar e relaxar em seus últimos anos, longe dos inevitáveis tumultos da vida no poder.
É uma hipótese atraente para Lula.
Com ou sem Rosemary, sua contribuição milionária ao combate à abjeta miséria no país já pertence à história. Ela está registrada nas estatísticas.
Em seus anos no poder, Lula despertou a atenção da sociedade para algo que ela não notava, ou fingia não notar: é insustentável, é vergonhoso um país com tantos miseráveis e excluídos. A consciência disso já se alastrou entre os brasileiros, e a rigor a causa anda hoje sem Lula.
Nenhum partido no Brasil moderno pode aspirar à relevância sem que em sua plataforma figure, com destaque, a luta contra a extrema iniquidade nacional. O emagrecimento assombroso do PSDB é prova disso.
Todos os ataques que serão feitos agora a Lula – com munição fornecida por ele mesmo, fique registrado – não mudarão isso.
(Leia mais: Sobre o caso Rosemary e a lulofobia)