Sobre o 15 de novembro e a proclamação da República. Por Pedro Fassoni Arruda

Atualizado em 15 de novembro de 2018 às 17:09
‘Proclamação da República’, 1893, tela de Benedito Calixto (1853-1927). Acervo da Pinacoteca de São Paulo

Publicado originalmente no perfil do autor no Facebook

POR PEDRO FASSONI ARRUDA, cientista político e professor da PUC-SP

Sobre o 15 de novembro e a proclamação da República:

1. A proclamação da República é um dos momentos decisivos da formação do Estado burguês no Brasil, assim como a abolição da escravidão (1888) e a promulgação da primeira Constituição (1891) do período republicano.

2. Embora a República tenha nascido por meio de um golpe do Exército que derrubou Dom Pedro II, os militares não tinham condições de permanecer no poder durante muito tempo. Rapidamente, o latifúndio agroexportador mostrou que era o único setor que tinha condições para reivindicar, e com exclusividade, a direção do aparelho de Estado. Depois de Deodoro e Floriano, ficou patente a hegemonia dos partidos republicanos de SP e MG.

3. Os republicanos eram defensores de um liberalismo excludente: não eram democratas, e sim profundamente autoritários. Defendiam o laissez-faire no terreno da economia. E na política, eram contrários ao sufrágio universal (mulheres, analfabetos e imigrantes residentes no país não podiam votar).

4. A República coincide com o processo de “americanização” do Brasil. Rapidamente, o eixo diplomático deixa de ser Rio de Janeiro-Londres e se transfere para Washington. Os EUA foram a primeira grande potência a reconhecer o governo provisório de Deodoro. Até o nome oficial do país era uma cópia do modelo estadunidense: “Estados Unidos do Brasil”. Rui Barbosa, membro da Assembleia Constituinte em 1891, reconheceu que nossa Constituição era uma “cópia” da Constituição dos Estados Unidos da América, com sua excessiva descentralização (bastante autonomia para os Estados-membros).

5. O “republicanismo”, na ciência política, está ligado à ideia de que os interesses coletivos estão acima dos interesses privados: a lei vale para todos, e não se admite o estabelecimento de privilégios ou discriminações. Por exemplo: uma atitude “republicana” seria o repúdio a qualquer forma de nepotismo ou favorecimento pessoal. Sendo assim, podemos afirmar que tínhamos uma República, mas não republicanos verdadeiros. Tal como hoje.

6. A economia brasileira continuou sendo “essencialmente agrícola”. Os representantes do complexo agroexportador abraçaram com entusiasmo a teoria das vantagens comparativas do economista inglês David Ricardo, reiterando assim a nossa “vocação agrícola”. Os poucos industrialistas da época viviam como profetas no deserto…

7. Todos nós aprendemos nas aulas de história que na Primeira República “a questão social era um caso de polícia”. Deixa eu dizer uma coisa: é verdade, mas a questão social continua sendo um caso de polícia até os dias atuais…

8. Com o fim da escravidão, foram realizadas tentativas de “branqueamento” da sociedade. Incentivou-se a imigração de trabalhadores europeus, enquanto os negros foram relegados ao esquecimento, quando não eram submetidos à violência direta. Deixo aqui como dica de leitura “A integração do negro na sociedade de classes”, de Florestan Fernandes.

9. Apesar da proclamação da República ser um exemplo de “revolução pelo alto”, não podemos esquecer as lutas das classes subalternas: as revoltas de escravos que ocorreram durante todo o período colonial e também durante o Império, a resistência indígena, a Guerra de Canudos, as greves operárias, o movimento anarco-sindical, a fundação do PCB em 1922, a revolta dos marinheiros liderados por João Cândido, as revoltas tenentistas da década de 1920, a Coluna Prestes, as campanhas pelo voto feminino e diversas revoltas espontâneas da população, das quais a Revolta da Vacina foi a mais conhecida.

10. Michel Temer, Bolsonaro e toda essa quadrilha golpista colocaram o Brasil de volta ao século XIX.