Não sou mãe. Escolhi não ser, nem hoje, nem nunca. Ainda que me digam que uma mulher não é completa sem um filho ou que todas nós temos uma vocação materna que deve ser explorada, eu escolhi isso.
Mas sou mulher, sou filha e sou empática, por isso, sim, eu posso dizer que o desafio da maternidade representa fidedignamente a crueldade com que o mundo nos trata e a hipocrisia que a modernidade não pode mais admitir.
Eu não fui uma criança fácil. Berrava quase vinte e quatro horas por dia. Minha mãe me conta – hoje, rindo – que eu nunca parava de gritar (um parêntese: para que calar se nascemos griatando?) Os vizinhos odiavam-na, o casamento ia mal, ela se sentia exausta. Mesmo com a educação rígida que sempre recebi, eu era uma criança hiperativa e isso a enlouquecia.
Tive pais maravilhosos. Ambos me deram amor, carinho, compreensão e cuidados. Mas, como em quase toda família nuclear da década de noventa, meu pai trabalhava fora e minha mãe ouvia os gritos, curava as tosses, preparava os banhos, trocava as fraldas. Até hoje imagino o quão exaustivo deve ter sido para ela e o quão exaustiva deve ser, de modo mais geral possível, a própria tarefa de ser mãe.
Não quero dizer, com isso, que a maternidade seja indesejável: ela é linda, poética e desafiadora. Mas a romantização exacerbada da maternidade também violenta.
Jamais duvidei do amor que a minha mãe nutre por mim. Mas isso não significa que a maternidade não seja exaustiva, violenta, odiosa, em certo ponto. Isso não anula as noites em que ela quis pertencer somente a si mesma e não podia, porque eu chorava; não anula as noites em que ela, até hoje, não dorme porque eu não estou em casa. Isso não faz com que desapareçam as frustrações, os medos, as falhas.
A romantização da maternidade – promovida pelo “desafio” que viralizou nas redes sociais nos últimos dias – nos empurra garganta abaixo que, mesmo com os cabelos em pé com bebês difíceis, ou mesmo quando não temos a menor ideia de como sermos mães, ou mesmo quando sentimos que não, nem todas têm a tal vocação materna, precisamos sorrir e fotografar nossas crias e dizer ao mundo que a maternidade é mágica e ponto final.
Imagino quantas mães desesperadas com o ofício dificílimo da maternidade se sentiram alienígenas com esse desafio da maternidade cor-de-rosa. Quantas se sentiram monstros por não concordarem que a maternidade é um mar de rosas, ou que se trata de padecer no paraíso, ou tantas outras máximas românticas que nos oprimem?
Depois que o desafio foi lançado, muitas mães feministas (outro parêntese: que as mães feministas se multipliquem no mundo inteiro!) manifestaram-se contra essa romantização e mostraram que a maternidade também traz sofrimento, e que ninguém é herege ou sem sentimentos por dizer isso: estamos simplesmente sendo realistas.
Nós não precisamos de um desafio que fortaleça o esteriótipo da mãezona, daquela que nunca falha e que nunca se cansa porque, afinal, “mãe é mãe.”
Lancemos o desafio que mundo de fato precisa: o desafio da verdadeira paternidade. Pais que não se limitem a depositar uma pensão alimentícia todos os meses (ou, muitas vezes, nem isso), que saibam que educar e cuidar dos filhos é papel de ambos, e não apenas da mãe, que não explorem suas próprias mães ou as mães de seus filhos e que saibam que nem a maternidade e nem a paternidade são dons divinos: eles são cultivados por quem realmente tem vontade.
Nenhuma mulher precisa ser uma supermãe: nós somos humanas, nós falhamos e nós definitivamente temos esse direito. E é chegada a hora de o mundo aceitar isso.