O Papa Francisco considera que “os refugiados são divididos” entre “primeira classe, segunda classe, cor da pele, proveniência de um país desenvolvido [ou de] um que não é”. “Somos racistas”, disse em entrevista à estação de televisão italiana Rai 1, emitida na tarde de Sexta-Feira Santa, quando questionado sobre se as imagens da fuga de ucranianos “derrubaram o preconceito para com aqueles que fogem de outras partes do mundo”.
Recordando que “Jesus era um migrante e refugiado no Egito”, Francisco sublinhou que na cruz estão os povos em guerra, incluindo os dos países de África, do Médio Oriente, da América Latina e da Ásia. “Há alguns anos, disse que estávamos a viver a terceira guerra mundial em pedaços. Mas ainda não aprendemos”, disse o Papa ao programa À Sua Imagem, conduzido pela jornalista Lorena Bianchetti.
“O mundo está em guerra. A Síria, o Iémen, pensemos nos Rohingya, expulsos, sem pátria. Em todo o lado há guerra. O genocídio ruandês há 25 anos. Porque o mundo escolheu – é difícil dizê-lo – mas escolheu o esquema de Caim, ou seja, matar o irmão.” E acrescentou: “Vivemos neste esquema demoníaco [que diz] para nos matarmos uns aos outros por causa do poder, da segurança, de muitas coisas”.
“Não choramos bem”
“No seu coração o que é [Kiev]?”, perguntou a jornalista. “Uma dor”, respondeu. “Para a dor humana, dor moral, não há anestesia. Apenas oração e pranto”, disse Francisco, acrescentando que “hoje não choramos bem”. “Esquecemo-nos de chorar. Se posso dar um conselho, para mim e para as pessoas, é pedir o dom das lágrimas”, afirmou o Papa.
“Pergunto-me: quantas pessoas, diante das imagens de guerras, quaisquer guerras, foram capazes de chorar? Alguns sim, tenho a certeza, mas muitos não. Começam a justificar ou a atacar.”
A esperança, a mais humildes das virtudes
Durante a entrevista, o Sumo Pontífice sublinhou, ainda, o papel da esperança em cenários adverso, como o desemprego ou a doença. “A esperança não é acariciar e dizer: ‘Ah, tudo vai passar, não te preocupe’. A esperança é uma tensão para o futuro, para o céu também. É por isso que a figura da esperança é a âncora: a âncora atirada ali e eu aqui com a corda, para chegar lá, para resolver situações, mas sempre com essa corda”, explicou.
“A esperança é a doméstica da vida católica, da vida cristã. É realmente a mais humilde das virtudes”, frisou.
Outras formas de guerra
Falando sobre o mal, Francisco disse ainda que “se os pecados fossem feios, se não tivessem algo de belo, ninguém pecaria”. E acrescentou que há outras formas de guerra, para além de conflitos como aquele que a Ucrânia vive. “No outro dia ouvi uma família contar como o pai, que casou jovem, teve de trabalhar como operário, saindo de manhã cedo e voltando à noite, por pouco dinheiro, explorado por uma empresa bilionária. Isto também é guerra. Também é destruição. O diabo procura sempre a nossa destruição. Porquê? Porque nós somos a imagem de Deus”.
Outro dos temas abordados foi o da violência contra as mulheres. “A exploração das mulheres é o nosso pão quotidiano”, lamentou. “Mulheres que sofrem golpes, que sofrem violência por parte dos seus companheiros e carregam isto em silêncio ou afastam-se sem dizer porquê”, disse, sublinhando que “as mulheres são a reserva da humanidade”, “a força”.
No fim da entrevista, com cerca de 50 minutos, o Papa deixou, ainda, uma mensagem para esta Páscoa: “Os meus votos são para que não se perca a esperança. A verdadeira esperança – que não desilude – é pedir a graça de chorar, mas choro de alegria, choro de consolação, choro de esperança. Tenho a certeza, repito, temos de chorar mais”.
Publicado originalmente no site Renascença