Publicado originalmente no site Consultor Jurídico (ConJur)
POR LENIO STRECK, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados
Despiciendo falar de mais um erro judiciário cometido pela justiça federal de Curitiba. Nem Raquel Dodge concordou com ela, conforme intervenção oral no plenário do Supremo Tribunal Federal na data de ontem, 7/8/2019.
Na verdade, a decisão da juíza mandando o ex-presidente Lula para o sistema prisional em São Paulo, além de desnecessária a transferência, parece conter o mesmo defeito da Lava Jato que foi desnudado pelos diálogos do Intercept, divulgados pela Folha de S.Paulo e revista Veja: a parcialidade e o viés claramente político das decisões. Sorry, mas a decisão da doutora ficou muito “na cara”.
Antes, um juiz havia suspendido as prerrogativas do ex-presidente. Essa questão foi superada por meio de agravo.
Agora – 7/8/2019 –, a juíza da 12ª Vara Federal de Curitiba negou ao ex-Presidente Lula o direito a Sala Maior e determinou sua transferência para estabelecimento de São Paulo. Já em São Paulo, à moda fast food, foi determinado que Lula fosse para o Presidio Tremembé.
O objetivo claro é/foi o de humilhação. O ex-presidente Temer já fora preso de forma espetaculosa. Afinal, vivemos a sociedade do espetáculo. O power point explanacionista de Dallagnol fez escola. Ou cursinho. Afinal, ver o ex-presidente Lula com uniforme de preso não tem preço, pois não?
A pergunta: Para que serviria a Lei 7.474/86, que trata das prerrogativas de ex-presidentes da República? Ex-Presidente é preso comum? E a decisão transitou em julgado? Por óbvio que temos um duplo não. Caso contrário, a lei seria despicienda. Essa pergunta não foi respondida pela juíza, embora exigível a partir do que prega o artigo 489, parágrafo 1º do CPC.
Em parecer que exarei sobre a matéria das prerrogativas de ex-presidentes – e que fez parte do conjunto de documentos acostados pela defesa na ação (petição no bojo de HC já tramitando) impetrada nesse mesmo dia 7 e que pode ser visto neste link aqui, desenvolvo, longamente, junto com o Dr. André Karam Trindade, uma resposta a essa pergunta nos itens 35 e seguintes, ao qual remeto os interessados – a matéria é longa, face à complexidade do tema.
Ainda, numa palavra final: a decisão da juíza – revogada por 10×1 (Marco Aurélio, sem entrar no mérito, negou face à incompetência que teria o STF) provoca uma situação teratológica: Lula regrediria de regime ou pioraria consideravelmente as condições de cumprimento da pena provisória a que responde.
Teria o ex-Presidente cometido alguma falta para “regredir” e/ou piorar de condição? Ou tudo é, mesmo, ao fim e ao cabo, uma questão política? Afinal, quem pediu a transferência foi a Polícia Federal.
Para se ter uma ideia da politização do caso e da decisão, a juíza da 12ª Vara de Curitiba assumiu uma pancompetência: ela decidiu como deveria ser o cumprimento de pena em outro Estado e outra jurisdição. Não contente com o que decidiu, foi mais longe. De todo modo, de pancompetência a justiça federal de Curitiba é especializada, pois não? Com Moro, tudo era transferido para a 13ª Vara. Tudo era Petrobras. Corria-se o risco de uma briga em um Posto de Gasolina Petrobras ter sua competência sugada pela Vara de Curitiba.
Importa é que de tédio ninguém morre nesta República. A cada dia há uma nova teratologia. Réu é preso, julgado e condenado em poucas horas em Goiás; soldados desfilam diante do Governador do Pará e cantam “arranca a cabeça e pendura”…
Não está nada fácil.