Sua excelência o ponto de interrogação. Por Marcelo Tognozzi

Atualizado em 6 de maio de 2018 às 13:36

Publicado originalmente no site Os Divergentes

POR MARCELO TOGNOZZI

Alckmin, Ciro, Lula, Bolsonaro e Temer: eleições 2018. Foto: Agência Brasil

O Brasil nunca precisou tanto de uma campanha eleitoral de verdade, com debate de propostas, posições políticas, questões envolvendo economia, privilégios de poucos e mazelas de muitos. Já ouvi muita gente dizer que a eleição deste ano será parecida com a de 1989. Parem de repetir esta estupidez. Em 1989 havia debates e não haviam políticos presos por corrupção. A mídia estava mais preocupada com questões concretas do dia a dia do cidadão comum, como a inflação, educação, saúde e emprego. Vinte e nove anos depois, teremos uma campanha com apenas 16 programas de TV para os candidatos a presidente e igual número para os candidatos a governador. Alguém imagina que isso vai dar certo? Alguém duvida que os candidatos prometerão o céu e entregarão o inferno?

A ausência de discussão sobre o que queremos e como queremos para o País nos mantém na condição de uma sociedade de atalhos, para a qual as soluções das grandes questões nacionais são sempre um arranjo, um arremedo incapaz de resistir à primeira chuva. Temos o SUS, mas não temos saúde; temos previdência pública, mas não temos aposentadoria digna; temos ensino público e gratuito, mas não garantimos educação de qualidade para todos. A grande mídia precisa reconectar o Brasil, forçar o debate entre candidatos, cobrar propostas, provocar o enfrentamento entre aqueles que desejam governar 200 milhões de pessoas, a maioria das quais com baixo nível de renda, baixa escolaridade, pouca capacidade cognitiva e acesso restrito à informação de qualidade. É preciso dar às pessoas oportunidade de conhecer, comparar e decidir.

Um bom exemplo desta desconexão entre a grande mídia e o Brasil real aconteceu no dia 1º de maio. Um prédio de 24 andares ocupado por 150 famílias pobres, pegou fogo e desabou no centro de São Paulo. Numa versão moderna dos cortiços cariocas do fim do século 19 imortalizados na obra de Aluísio de Azevedo, os moradores do edifício pagavam aluguel de R$ 400 para uma bandidagem especializada em tiranizar miseráveis. Ali, onde o estado não entrou, embora fosse dono do imóvel, boa parte dos ex-moradores trabalha para sobreviver – com carteira assinada ou não. Depois que o prédio incendiado desabou, a mídia “descobriu” que o livro escrito por Azevedo em 1890 teima em se manter atual sob a forma de favelas verticais no país inteiro.

O Brasil dos cortiços do século 21 é o mesmo que paga auxilio moradia para privilegiados dos três poderes, como magistrados e procuradores que ganham R$ 5 mil por mês livres de impostos, dinheiro suficiente para pagar 12,5 aluguéis cobrados pela malandragem social aos ocupantes do prédio que ruiu. Há alguns meses a grande mídia se encarregou de moer o assunto auxílio moradia, mostrando que os juízes Moro e Bretas, paladinos da Lava Jato, recebiam o mimo. Moro justificou-se, dizendo que o dinheiro era “complemento salarial”. Ninguém em sã consciência pode ser contra pagar salário digno a magistrados e membros do Judiciário. Mas qualquer um com mínimo de bom sendo ficaria envergonhado diante de um contraste como o revelado por esta tragédia que, por milagre, não matou dezenas.

A ausência de uma campanha política de verdade, com a discussão de ideias e propostas, deixa um enorme vazio. Infelizmente ela está fora da agenda dos partidos –grandes, médios e pequenos – e revela uma situação no mínimo preocupante: entre os candidatos já lançados, três deles, Alckmin, Ciro e Marina, já concorreram outras vezes e nenhum foi capaz de apresentar programa de governo, plano de trabalho, propostas para um país afundado em crise, sem dinheiro para investir e com o sério risco de em pouco não ter como pagar aposentadorias e salários como aconteceu outro dia com a Grécia. Ao invés disso, Marina chama Bolsonaro de hiena, Bolsonaro comemora a prisão de Lula, Ciro fala mal do PT, Álvaro Dias bate em Alckmin, Alckmin simplesmente desaparece com a desculpa que está em campanha e Joaquim Barbosa chegou mudo, permanece calado e sonha vencer sem falar nada.

A grande mídia tem dado prioridade para o combate à corrupção. Virou palco de alguns demagogos de toga e outros de gravata, muitos dos quais, em passado recente, serviram aos corruptos hoje condenados. A agenda do país tem se resumido a um único tema, quando num ano eleitoral muitos outros de igual ou maior importância deveriam estar na pauta. Um deles é o problema das moradias, dos novos cortiços, e a discussão sobre o papel do estado para mudar esta realidade. Outro é o desemprego.

E também a educação, que precisa ser debatida como uma questão de estado, não de um governo ou de um partido. Darcy Ribeiro fez no Rio de Janeiro a melhor escola pública que o Brasil já teve, os Cieps. As crianças entravam de manhã e saiam de tarde, banho tomado, alimentadas. O primeiro foi inaugurado há 35 anos no bairro do Catete. Quando acabaram com os Cieps nos anos 1990, a sociedade se omitiu, não protestou. Se tivessem acabado com o Colégio Pedro II ou o Colégio de Aplicação da UFRJ, tradicionais redutos da classe média naquele tempo, a grita seria geral. Mas como o Ciep era a escola dos meninos pobres, ninguém deu bola. Os professores ficaram calados, a esquerda também, a direita mais ainda. A omissão custou caro ao Rio e ao Brasil.
A menos de seis meses da eleição ainda há tempo de discutirmos planos e propostas, de confrontarmos os candidatos, comparar, julgar. Ou corremos o risco de eleger não um presidente, mas um ponto de interrogação.