“Sufocamento da pesquisa e do ensino é base do bolsonarismo”, diz professor

Atualizado em 8 de maio de 2019 às 15:33

Publicado no Justificando

Estudantes protestam contra Bolsonaro no Rio. (Reprodução: Facebook)

O orçamento da Educação Brasileira para 2019 prevê a vultosa quantia de R$ 121.963.197.328,00, o qual, além de congelado por obra e graça do governo Michel Temer, está sendo reduzido pelo governo Jair Bolsonaro. Com o corte linear de 30%, todas as instituições de ensino federais têm surrupiado de seus orçamentos um montante de R$ 4.065.439.910,00. O impacto desse corte é grande, podendo fechar as portas de muitas delas. Imediatamente significa paralisar não apenas o ensino, mas sobretudo a pesquisa de ponta de alto valor agregado num momento em que nomeadamente a União Europeia se organiza para realizar capital na chamada economia do conhecimento.

Primeiro o corte foi seletivo e puniu três grandes universidades – Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade de Brasília (UNB) e Universidade Federal da Bahia (UFBA), sob a irresponsável acusação de terem baixo desempenho acadêmico, permitirem balbúrdia em seus campi e não aparecerem bem nos rankings. Essa acusação leviana é incapaz de se sustentar diante dos fatos. O relatório encomendado pela Capes à Clarivate Analytics (2018)[1], com dados colhidos na plataforma InCites e na base de dados multidisciplinar – Web of Science – a desconstrói num simples piscar de olhos.

No ranking de vinte melhores universidades brasileiras, a UNB, UFF e UFBA têm, respectivamente, as posições 13ª, 17ª e 19ª. Os critérios da Clarivate Analytics incorporam as quantidades de papers indexados na Web Science – muitos na lista de papers top 10 -, citações de impacto, colaboração com a indústria e coautoria com colaboradores estrangeiros. A produção cientifica brasileira é a 13ª em nível mundial e seus resultados crescem anualmente, afirma o mesmo relatório; esta produção é superior à de países como Holanda, Rússia, Suíça, Turquia, Twain, Irã e Suécia.

A razão do corte praticado pelo governo bolsonarista não é esta, absolutamente. Ela certamente deriva de sua disposição de combater o que chama “marxismo cultural”, termo inventado pela extrema-direita e conservadores americanos, na década de 1990, para justificar ataques a intelectuais e instituições que se opunham às suas bandeiras supremacistas e cheias de ódio. O estado que o bolsonarismo procura construir não apenas objetiva liberalizar e privatizar radicalmente a economia; usar o lawfare para liquidar oponentes e travas à sua governança; restringir os espaços democráticos e direitos historicamente conquistados.

É-lhe importante restaurar os costumes, a família monogâmica cristã, branca e proprietária tal como imagina ter existido em um passado mítico e, em especial, liquidar a hegemonia das ideias herdadas do Iluminismo em todas as áreas do conhecimento e espaços públicos. As instituições federais de ensino, pesquisa e extensão, das escolas de educação básica aos cursos universitários de graduação e pós-graduação, aos olhos dos construtores do estado bolsonarista, soam como aquela pedra no meio do caminho cantada em verso pelo poeta Carlos Drummond de Andrade:

No meio do caminho tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

O trabalho de sufocar as instituições federais de ensino, pesquisa e extensão realizado pelo governo é somente comparável aos crimes de lesa-pátria praticados pelos mais tenebrosos ditadores, tanto os prejuízos que impõe à sociedade e à soberania nacional do Brasil. Tamanho reacionarismo interrompe, por exemplo, as pesquisas de biotecnologia, engenharia de alimentos, nutrição e materiais, fármacos e terapias, micro e nanotecnologia, processos e compostos químicos, software de modelagem termodinâmica, nanocompósitos, biovidros etc. etc. O próprio Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, recém-inaugurado na Unicamp, maior do que o seu similar existente na Suécia, corre o risco de viver o seu mais absoluto apagão.

A ser consolidado, o estado bolsonarista nos imporá a escuridão anti-iluminista. E, como nos recomenda Jeremias, 13-16, é aconselhável imediatamente todos nós darmos “glória ao Senhor vosso Deus, antes que venha a escuridão e antes que tropecem vossos pés nos montes tenebrosos; antes que, esperando vós luz, ele a mude em sombra de morte, e a reduza à escuridão”.

 

Zacarias Gama é professor assistente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do corpo permanente do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana e do Comitê Gestor do LPP-UERJ e coordenador Geral do Programa Desenvolvimento e Educação – Teotonio dos Santos.