A suposta falta de apetite do MPF por Moreira Franco: recordar é preciso e o STF que se vire! Por Eugênio Aragão

Atualizado em 8 de outubro de 2017 às 8:50
Pilantragem

POR EUGÊNIO ARAGÃO, ex-ministro da Justiça.

 

Um dos episódios mais vergonhosos do golpe que redundou na destituição da Presidenta Dilma Rousseff foi o impedimento de Lula assumir o cargo de ministro-chefe da Casa Civil. Foi uma orquestração bem articulada entre a República de Curitiba, o STF e o PGR. Os autores da trama receberão da história seu devido reconhecimento: a latrina dos traidores da Pátria, de onde nunca deveriam ter saído.

Para os golpistas, Lula não poderia assumir a Casa Civil, pois, ali, saberia como ninguém promover o pacto necessário para desfazer o plano engendrado por Michel Temer e Eduardo Cunha. Diz-se que já nessa época havia encontros entre o usurpador e o cabeça coroada do MPF. Certamente não por acaso. Enquanto um queria um ministério público dócil, o outro queria garantir sua sucessão por alguém de seu grupelho na corporação. Os 54 milhões de eleitores de Dilma que se danassem.

Deu-se que, em Curitiba, um cidadão que posa de dublê de juiz permitiu, por debaixo da mesa, que a polícia continuasse a interceptar conversas de Lula, mesmo tendo encerrado formalmente o período de escuta autorizada. Foi, ali, grampeado um telefonema entre a Presidenta e o novo Chefe da Casa Civil in spe. Nesse, a Presidenta dava instruções a Lula sobre a assinatura da ata de posse. A razão delas era prosaica: Dona Marisa estava enferma e Lula não poderia comparecer ao ato na segunda-feira. Far-se-ia como aos costumes: Lula assinaria a ata antes e, na cerimônia, a Presidenta a autografaria, como o fez com Jaques Wagner na mesma ocasião, que também estaria ausente na posse de cargo de secretário do gabinete da presidência.

Mas os voyeurs do diálogo presidencial ouviram o que era conveniente para a trama do golpe: pretendiam que a Presidenta estaria a dar um salvo-conduto a Lula para a hipótese de o dublê de juiz decretar sua prisão.

A hipótese da facilitação criminosa presidencial era tão absurda que, em tempos normais, só mereceria gargalhadas. Dir-se-ia que os toscos brasileiros, depois, ainda achariam que os parvos eram os portugueses, tamanha a imbecilidade da tese acusatória!

Vamos a ela. A conversa já ilicitamente interceptada – desconfia-se, com boa base de realismo, que a escuta havia sido plantada criminosamente no Palácio do Planalto e desrespeitara a ordem de cessação da interceptação – se fazia em momento em que a mídia difusora de ódio disseminava as peripécias curitibanas contra Lula, dando a entender que sua prisão era iminente. Puro devaneio. Nenhum motivo havia para o ato extremo, assim como até hoje não o houve. Prender Lula não passava de um delírio dos que, em manifestações fascistas articuladas com muito dinheiro da economia financista, exibiam doentiamente raivosos seus “pixulecos” infláveis.

Por outro lado, pretender que uma ata de posse sem posse servisse de salvo-conduto só poderia ser ideia de jerico. Havia tantos holofotes sobre tudo que se fazia no Planalto, que tentar escapar da violência do dublê com exibição desse papelete seria uma cena de opera bufa. Os tolinhos que acreditam na conspiração presidencial subestimam quem logrou ser eleito ou fazer ser eleito por quatro vezes o titular e a titular da presidência da República.

Enfim, mesmo com tanto furo, a hipótese levantada pelos meninos que, em Curitiba, brincam de judiciário foi útil para um ministro do STF francamente partidário, cérebro e braço  do golpe de Temer e Cunha, decretar, em cognição cautelar, a proibição de Lula tomar posse. E o PGR corporativo nada fez diante da absurda ousadia. Pelo contrário, usou a gravação criminosa para instaurar inquérito contra Lula e Dilma por obstrução judicial. Teve que ser admoestado pelo então relator da chamada “Operação Lava Jato”, o saudoso Ministro Teori Zavascki, que qualificou a interceptação como ilegal e proibiu seu uso.

A proibição, porém, não valeu para o outro ministro, que dera o provimento cautelar politiqueiro. O tal magistrado havia, pouco antes da ousadia, almoçado, na “Trattoria da Rosario”, com os adversários do PT, José Serra e operador do sistema financeiro Armínio Fraga. Mera coincidência? O fato é que o ministro, depois da inusitada liminar, sentou-se, aos costumes, no processo, barrando a atuação anti-golpe de Lula. Depois de consumada  a traição ao povo, extinguiu o processo sem julgamento de seu mérito. O foguete havia já acertado seu alvo. A carcaça do projétil agora era inútil.

Tempos depois, destituída a Presidenta Dilma Rousseff, o MPF investe contra os novos habitantes do Palácio do Planalto. Por certo, seu cabeça coroada já percebera que não lograria perpetuar seu grupelho na cúpula da instituição. Nessa investida articulada com Curitiba, um dos alvos é o matreiro Moreira Franco, subscritor da peça infantil “Uma ponte para o futuro”, aliado de primeiríssima hora de Temer e Cunha na empreitada de lesa pátria.

Moreira já se aninhara no Planalto na qualidade de “secretário de governo”, sem status de ministro. Mais do que rápido, o usurpador baixa medida provisória a converter a secretaria de governo em ministério. A intenção indisfarçada era impedir que o dublê de juiz pusesse suas mãos em Moreira Franco.

A medida foi contestada no STF por iniciativa de partido que não faz parte da base de apoio do golpe. Mereceu cínico parecer do PGR pela denegação do mandado de segurança. O STF, na linha desse opinativo, proclamou, já agora, que a iniciativa de Temer não obstruíra a justiça, pois o foro por prerrogativa de função devido a ministro de estado não subtrai o investigado da persecução penal.

Ooooohhhhhh!!!! Era o óbvio ululante. Mas não valeu para Lula. Este foi barrado por atuação partidária de um dos ministros do STF.

É mais que compreensível a exigência por muitos na sociedade, de que o STF determine a desconsideração do status de ministro de Moreira Franco. Seria o mínimo de coerência que se espera da mais alta corte do país. E, por isso, tacha-se como excessiva leniência a atitude da nova chefe do MPF de nada fazer a respeito.

Por mais difícil que seja para um não jurista entender, a atitude da nova chefe está correta.

Para os que lutam pela democracia neste país, contra tudo e contra todos, é importante respeitar seu princípio fundamental, o da igualdade de todos no espaço público:  Não se deve exigir para o outro o que se considera ilegítimo e criminoso contra si. A atitude de barrar Lula foi criminosa e mesquinha. O judiciário se meteu onde não foi chamado. Não lhe caberia impedir uma escolha política de um governo eleito. Nomear ministros ou cuidar da estrutura interna da administração pública são tarefas que o executivo desempenha sem intromissão de qualquer outro ator. Trata-se de corolário necessário da separação de poderes. Uma escolha pode até ser politicamente controversa, mas pela controvérsia paga politicamente quem a fez. O judiciário não tem nada a ver com isso, pois, ao desconstituir a escolha de modo indevido, seus juízes não respondem politicamente.

Nem Lula e nem Moreira poderiam ser barrados. Nem por Gilmar e nem por Janot. A consequência legal da escolha é o foro por prerrogativa de função e o STF que trate de fazer com que esse foro não seja identificado como garantia de impunidade. Não pode dar atestado de que sua atuação é mais amorosa que a do dublê de Curitiba.

Nestes tempos tenebrosos é preciso que os democratas ajam com respeito aos princípios por que tanto lutam. É seu diferencial para com os golpistas seletivos, que, a cada passo de sua ação usurpadora, rasgam a Constituição. O STF que durma com esse barulho por não ter barrado – isto sim – a cara de pau, a insolência e o cinismo de um dos seus. Ficará mal na fita. Mas nós, os democratas, não lhe devemos facilitar o resguardo da face. Insistamos na lei e o STF que se vire!