Mais um capítulo da política de ódio às mulheres que sempre caracterizou o governo Bolsonaro: o presidente vetou a distribuição gratuita de absorventes menstruais para estudantes de baixa renda de escolas públicas e pessoas em situação de rua ou de vulnerabilidade extrema, sob o argumento de que o texto “não previa a fonte de custeio”. É uma das coisas mais cruéis de todo esse governo, apesar da concorrência.
A fonte de custeio, presidente, é a verba usada pra pagar o seu cartão corporativo. É o nosso dinheiro. Aqueles 15 milhões que você gastou com leite condensado, lembra? Daria pra comprar absorvente pra caramba.
Daria, quem sabe, para oferecer alguma dignidade aos 29% de brasileiras que já ficaram sem dinheiro pra comprar absorventes. Ou aos 28% de estudantes pobres que deixam de ir à escola no período menstrual porque o texto, o terrível script de suas vidas, também “não previa fonte de custeio” para os absorventes.
Quando dizíamos – nós, as “feministas raivosas” – que a misoginia é uma bandeira do bolsonarismo, era a isso que nos referíamos.
Bolsonaro legitima violência contra mulher em toda oportunidade que tem. Ele a pratica em seus discursos, em seus atos públicos, em sua vida íntima, diante das câmeras, sem nenhum constrangimento (que o diga Maria do Rosário, agredida em público pelo presidente). Seu governo não exclui apenas as mulheres, mas também as políticas públicas que a contemplam. Então, não, não me surpreenderia nenhum ato (ou veto) do pior presidente da história deste país atacando mulheres. Isso é o que ele faz de melhor.
Absorvente não é pauta ideológica
Mas ainda é chocante pensar que esta não é uma pauta ideológica. Não tem nada a ver com “as feministas, o PT, a ideologia de gênero” ou qualquer outro delírio bolsonarista. Justamente por isso é tão cruel.
É pura perversidade. Canalhice em estado bruto. Como disse a cirúrgica Anelis Assumpção no Instagram, “só quem tem ojeriza à mulheres e tudo que envolve seu universo é capaz de vetar a distribuição de absorventes a mulheres em situação de pobreza menstrual.”
Ao negar a essas pessoas um item básico de higiene em um país em que mais de 60% da população está em insegurança alimentar, Bolsonaro impede que meninas pobres frequentem a escola, faz com que mulheres em situação de rua continuem tendo que usar jornais sujos entre as pernas. Tudo isso pra dizer, mais uma vez, em alto e bom som: olhem só, vejam como eu detesto mesmo as minorias!
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O que não foi dito – não tem sido dito o suficiente, e já não é sem tempo de dizer – é que nossa menstruação sempre foi e continua sendo demonizada. O único sangue que não vem da violência é também o que mais causa repulsa às pessoas. Este fato sozinho é capaz de provar que a sociedade odeia nossa menstruação tanto quanto nos odeia.
Não é à toa que tantas meninas e mulheres se escondem por não terem absorventes. Nós não podemos deixar o nosso sangue aparecer. Precisamos escondê-lo a qualquer custo, para que as pessoas jamais se lembrem que nós menstruamos.
Nós menstruamos por condição natural e biológica e somos ensinadas a esconder isso do mundo. Precisa de performance (como a da bailarina Aline Riscado em uma live no Instagram há algumas semanas) para afirmarmos, em pleno século XXI, que nosso sangue não é nojento ou repulsivo.
Em contrapartida, temos os 29% de mulheres que não têm condições mínimas de arcarem com o custo dessa condição natural. E a lavagem cerebral segundo a qual menstruar é errado e sujo é tão potente que, em vez de deixarem o sangue jorrar, essas mulheres se escondem e deixam de viver suas vidas durante o período.
Dá pra ter noção do quanto isso é estruturalmente violento?
Bolsonaro não é o único vilão no caso dos absorventes
E se você pensa que Bolsonaro é o único vilão dessa história revoltante, infelizmente se engana. Provando mais uma vez que a tal sororidade incondicional é pura balela romântica, Tabata Amaral – a capitã do mato das mulheres brasileiras – tira proveito da situação.
Fake news têm atribuído à deputada liberal a autoria do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (cujo artigo 1º foi vetado por Bolsonaro). Na verdade o projeto é de Marília Arraes, do PT.
Em vez de desmentir publicamente as matérias falsas, Tabata se cala e deixa todo mundo pensar que ela é heroína. Na verdade, ela é autora de outro PL. Rouba o mérito da colega sem nenhuma cerimônia. “Sacomé, né?”. Na confusão generalizada, todo mundo quer tirar uma lasquinha. A mão invisível do mercado não deixa que ela conte a verdade e perca a oportunidade de se promover em cima de (mais) um escárnio aos pobres: é assim que liberal faz.
E é por isso que nem toda mulher merece ser abraçada pelo feminismo. Nem mesmo por esse feminismo branco esquizofrênico que fala em “sagrado feminino” e “devolver nosso sangue à terra” enquanto nossas irmãs pretas e pobres ainda precisam lutar pelo básico. Porque nem todas são amigas da causa. Algumas são amigas apenas de si mesmas – e do dinheiro.
Talvez o escárnio bolsonarista às mulheres pobres sirva ao menos para que percebamos que a pauta “menstruação” é gigante e vai (muito) além desse veto.
Talvez o momento nos permita naturalizar de uma vez por todas o que precisa ser naturalizado: irmãs, nós sangramos, e isso também é político. Lutar pelo acesso de outras mulheres ao direito humano básico de ter absorventes em seu período menstrual é nossa obrigação moral e a única coisa que nos resta diante da crueldade de Bolsonaro (e da cara de pau de Tabata Amaral).