Tarcísio contraria próprio livro e beneficia doador bilionário no Porto de Santos

Atualizado em 26 de outubro de 2022 às 16:04
O empresário Rubens Ometto, ladeado por Jair Bolsonaro (PL) e Tarcísio de Freitas (Republicanos): ele doou R$ 5,2 milhões à campanha de Tarcísio e aos partidos de sua chapa (Crédito: Gabinete da Presidência da República)

O candidato a governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) contrariou em sua gestão no Ministério da Infraestrutura do governo de Jair Bolsonaro (PL) ideias escritas por ele mesmo em um livro e, assim, beneficiou aquele que hoje é um dos grandes doadores de sua campanha: o empresário Rubens Ometto.

Ele doou R$ 200 mil para Tarcísio e mais R$ 5 milhões aos dois principais partidos de sua chapa: o Republicanos, ao qual o candidato é filiado, e o PSD (Partido Social Democrático), de Gilberto Kassab, principal articulador da candidatura bolsonarista no Estado de São Paulo.

Ometto, segundo a Forbes, é dono de uma fortuna estimada em R$ 14,5 bilhões, sendo assim 19ª pessoa mais rica do Brasil. Elecé fundador e controlador da Cosan, maior processadora de cana-de-açúcar do mundo. A Cosan, por sua vez, é a acionista majoritária da Rumo Logística, a maior empresa de estrutura ferroviária do país, controladora de parte relevante da malha de trilhos que escoa a produção agrícola brasileira pelo Porto de Santos.

Só nesta eleição, ele já doou R$ 8,9 milhões a candidatos e partidos. Tarcísio foi o candidato que mais se beneficiou de suas doações: recebeu R$ 200 mil. O Republicanos foi o partido que mais recebeu doações de Ometto: R$ 3 milhões. O PSD vem em segundo lugar como maior beneficiado: recebeu R$ 2 milhões.

Crédito: Justiça Eleitoral

Ometto foi um dos empresários que mais ganhou com a gestão de Tarcísio no Ministério da Infraestrutura. Enquanto o hoje candidato comandava a pasta, ele arrematou em leilões a concessão de terminais portuários e de um trecho da linha férrea Norte-Sul.

O controle sobre parte da ferrovia foi leiloado em março de 2019, meses após Tarcísio e Bolsonaro tomarem posse. Foi arrematado por 2,7 bilhões pela Rumo.

O trecho comprado pela Rumo liga Porto Nacional (TO) a Estrela D’Oeste (SP). Dali, conecta-se com o conjunto de trilhos chamado Malha Paulista, já controlado pela Rumo–cujo contrato, aliás, foi renovado antecipadamente pelo governo, levantando suspeitas de favorecimento– e que chega até o Porto de Santos.

A Rumo começou a operar a rodovia Norte-Sul em março de 2021. Desde então, vem ampliando sua utilização conforme conclui obras previstas na concessão.

Com isso, tem contribuído para que o Porto de Santos seja utilizado cada vez mais para o escoamento de commodities agrícolas, como soja e milho, produzidas no Centro-Oeste do país. Só em agosto deste ano, por exemplo, o volume de soja que passou pelo porto foi 328% maior do que o registrado no mesmo mês do ano passado, de acordo com a SPA (Santos Port Authority, estatal que administra o porto). De janeiro a agosto, o volume de milho cresceu 78% ante ao mesmo período de 2021.

Todo esse crescimento beneficia a Rumo, que ganha pelo transporte desses produtos. Contraria, no entanto, um projeto estudado, estruturado e defendido por Tarcísio quando ele ainda era consultor legislativo da Câmara dos Deputados, cargo que ele ainda mantém e pelo qual recebe salário de R$ 31 mil mesmo em campanha para o governo paulista.

O livro de Tarcísio

Tarcísio é militar formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e graduado em engenharia pelo Instituto Militar de Engenharia (IME). Em 2015, foi contratado como analista legislativo pela Câmara dos Deputados, após ser aprovado em concurso público.

No ano seguinte, ele apareceu como co-autor de um livro publicado pela Câmara e intitulado “Arco Norte: desafio logístico”. O livro faz parte de uma série de estudos realizados pela Casa para propor alternativas ao desenvolvimento econômico brasileiro.

Na obra, Tarcísio, um colega analista e outros dois deputados tratam da importância da viabilização do chamado Arco Norte, um conjunto de terminais portuários em cidades da região Norte do país pensados para exportação da produção agrícola do Centro-Oeste, justamente essa que está escoando agora pelo Porto de Santos.

O prefácio do livro de Tarcísio, escrito pelo então deputado Lúcio Vale, do Pará, deixa clara a ideia da obra. “Uma pessoa que conhecesse apenas o mapa do Brasil não teria dificuldade em fazer algumas suposições. Se fosse informado que alguns de nossos principais parceiros comerciais estão na metade setentrional da esfera terrestre, seria possível inferir que os portos da parte norte de nosso território responderiam pelo escoamento de uma fração nada desprezível da nossa produção”, diz o texto.

O conteúdo do livro também foi resumido em apresentações que Tarcísio fez a políticos e empresários do Norte do país sobre a importância do Arco Norte. Nelas, Tarcísio mostra com gráficos e mapas como a produção agrícola brasileira tende a crescer em Mato Grosso, por exemplo. Indica com números e dados que o escoamento dessa produção via Arco Norte seria mais econômica.

Naquela época, aliás, existia no Brasil uma ideia de que o sistema portuário brasileiro deveria trabalhar como um sistema. Os terminais ao Norte deveriam dedicar-se à exportação agrícola. Já o Porto de Santos, localizado na região mais industrializada do país, deveria ser a porta de saída para manufaturados brasileiros. As ideias do plano de Tarcísio encaixavam-se nesse plano nacional.

Quando ele virou ministro, porém, ele aparentemente esqueceu do que escreveu. Agiu para que o Porto de Santos passasse a concorrer com o Arco Norte pela exportação das commodities vindas do Centro-Oeste. Isso, coincidentemente, beneficiou a Rumo, que é capaz de transportar soja e milho no sentido Sul, mas não opera no sentido Norte.

Novo plano para Santos

À frente do Ministério da Infraestrutura, Tarcísio foi o responsável pela estruturação de um novo PDZ (Plano de Desenvolvimento e Zoneamento) para o Porto de Santos, finalizado em 2020. PDZs traçam linhas gerais para o futuro de cada porto brasileiro.

O novo PDZ do Porto de Santos prepara o local para sua privatização e insere o terminal numa nova lógica nacional. Se antes, a ideia era que cada porto estivesse focado a atender determinadas necessidades, agora o desejo é que os portos nacionais passassem a concorrer entre si para que essa concorrência trouxesse melhorias aos usuários.

Nessa lógica, o Porto de Santos passaria a “brigar” pela exportação feita pelo Arco Norte, antes defendida por Tarcísio. Para isso, inclusive, receberia obras, as quais ampliaram sua capacidade de atender ao agronegócio e, novamente, atenderiam interesses da Rumo Logística e do próprio Rubens Ometto no porto.

O novo PDZ do Porto de Santos prevê, por exemplo, a construção de um novo armazém para fertilizantes. Com ele, trens que chegam ao porto carregados de soja e milho do Centro-Oeste, por exemplo, poderiam voltar carregados de nitrato de amônia que é usado nas lavouras da mesma região. Quem faria esse transporte? A Rumo.

O novo PDZ, aliás, prevê que esse novo armazém de fertilizantes fique bem próximo à Avenida Perimetral de Santos, já fora da área portuária. Há especialistas que veem risco à população local, citando a explosão numa estrutura semelhante em Beirute, Líbano, no ano passado. O novo armazém ficaria também bem perto de onde seria construída uma “pera ferroviária”, espécie de área de manobra de trens. E quem está de olho nessa melhoria na rede ferroviária na área do porto? A Rumo.

Em linha com interesses da Rumo, o Ministério da Infraestrutura chegou a tentar retirar da área do porto em que o armazém de fertilizantes e a pera ferroviária serão construídos a concessionária que hoje movimenta contêineres ali, a Marimex. Isso só não foi possível porque o TCU (Tribunal de Contas da União) interveio a favor da empresa, contrariando a vontade da Rumo e do próprio governo.

O TCU também agiu para que o Ministério da Infraestrutura, comandado por Tarcísio, fosse obrigado a abrir concorrência para contratar um operador ferroviário para a área interna do porto. Hoje, a Portofer, controlada pela Rumo, presta esse serviço. O governo queria renovar o contrato com a empresa automaticamente. Foi proibido.

A Rumo, porém, já se adaptou à decisão do TCU e manteve o controle das linhas de trem que passam por dentro do Porto de Santos em associação com outras companhias.