Publicado no Unisinos.
Na semana passada, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse que sua gestão optou por não “zerar o sistema”, e argumentou ainda não ter se decidido sobre a implantação de um rodízio na região metropolitana de São Paulo. Segundo os funcionários ouvidos, no entanto, a região enfrenta um revezamento de água desde agosto de 2014.
Sem saber que falava com a reportagem, um funcionário da Sabesp confirmou que a operação se tratava de um fechamento, feito diariamente naquele horário. “Volta às quatro horas da madrugada.”
Nesta semana, a reportagem acompanhou quatro operações técnicas em três locais diferentes da capital. E em duas delas, segundo os técnicos, houve bloqueio total do abastecimento de água, que só seria reativado horas depois – numa terceira, houve a reabertura após cerca de 12 horas de torneiras secas. Na última operação, o desligamento foi feito dentro de um reservatório por volta das 13h e ficaria assim até as 4h da madrugada.
A medida é típica de uma política de racionamento e acarreta numa suspensão total de abastecimento de água para diversos bairros, inclusive naqueles que ficam em regiões localizadas em um nível mais baixo do que o do próprio reservartório e que, em tese, não sofreriam desabastecimento, explica o técnico João (nome fictício). Os horários de corte, segundo outros funcionários, normalmente coincidem com a lista de redução de pressão divulgada pela companhia em seu site.
No vídeo, um outro funcionário alega ser falso atribuir a falta de água à redução de pressão. “O governo falou que está só reduzindo a pressão. Mas a senhora não fica sem água? Na hora que fica sem água é a hora que estamos fechando tudo”, disse ele, reproduzindo o diálogo que manteve com uma moradora do bairro. “As pessoas já estão desconfiando do que fazemos aqui”.
Um terceiro funcionário relata que a Sabesp faz uma espécie de rodízio, alternando o fornecimento de água entre os bairros por meio de abertura e fechamento de registros nas ruas. O mesmo ocorreria nos reservatórios, com fechamentos que atingem conjuntos de bairros.
“As VRPs [válvulas redutoras de pressão] são usadas para conter uma área específica. Então por que todos os setores apresentam falta de água? Eles estão fechando as saídas dos reservatórios”, explicou o técnico Marcelo (nome fictício), que tem quase 20 anos de experiência na companhia.
Um quarto funcionário da Sabesp, também ouvido sem saber que falava com a reportagem, admitiu que as operações que têm sido realizadas deixam bairros inteiros sem água – e não apenas um ou outro imóvel.
“Não tem rodízio”
A Sabesp se negou a fornecer a lista de cortes – como os denunciados pelos funcionários – já realizados e que eventualmente venham a ocorrer. Até hoje, a companhia admite apenas ter intensificado o programa de redução de pressão nas tubulações, que resultaria em falta de água para “bem menos de 1%” da população, “formada em geral pelos que moram em pontos elevados e que não possuem caixa d’água.”
“A Sabesp esclarece que não há rodízio ou racionamento em São Paulo. O que está em operação é redução de vazão para evitar perdas de água nas tubulações”, informou, em nota. “A empresa ainda recomenda que os clientes tenham caixas d´água em seus respectivos imóveis, que possibilitem a reservação por um período mínimo de 24 horas, o que pode atenuar os efeitos da redução de pressão na tubulação.”
Pesquisa Datafolha de outubro de 2014, entretanto, apontava que 60% da população paulistana tinha ficado sem água em algum momento nos 30 dias anteriores ao levantamento (em junho, a fatia era de 35%). “Às 11h já está faltando todo dia, há quase três meses”, diz o segurança Wagner Silva, de 40 anos, após a filha mostrar a torneira seca na entrada da casa. “Volta só de manhã”.
O intervalo é o mesmo apontado por José Carlos Silva, que mora algumas quadras à frente. “Desde setembro, por aí, começou a faltar água. Começou às 15h e agora está acabando mais cedo”, diz.
O próprio governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse em 30 de janeiro que sua gestão havia decidido não fazer cortes de água e apostava na redução de pressão, medida responsável por 52% da economia de água do sistema Cantareira (o maior da região metropolitana) entre 2013 e a primeira quinzena de janeiro de 2015.
“Optamos pela válvula redutora de pressão porque com ela você não zera o sistema e, não zerando o sistema, diminui o risco de contaminação, porque você mantém o sistema sob pressão”, disse o tucano na ocasião.
O objetivo principal das VPRs é diminuir as perdas com vazamentos, segundo um artigo escrito por funcionários da Sabesp e publicado em uma revista da companhia. Embora o equipamento acaba por diminuir a vazão consumida pelo cliente final, não é esse o intuito, segundo o estudo de um mestre em Engenharia Hidráulica pela USP.
“De fato, a redução de pressão nas redes irá afetar os pontos de consumo ligados diretamente à rede de distribuição, reduzindo as vazões consumidas. Não obstante, os pontos de consumo ligados a reservatórios (caixas d’água) não sofrerão qualquer impacto de redução de consumo (Farley & Trow, 2003)”, diz o trabalho de Renato Gonçalves da Motta.
A Sabesp informa existirem cerca de 1.500 instaladas na Região Metropolitana de São Paulo.
Procurado, o governo do Estado preferiu não comentar.