Temendo por sua vida, juiz Appio pediu carro blindado e arma enquanto investigava a Lava Jato

Atualizado em 30 de setembro de 2024 às 21:39
O juiz Eduardo Appio

POR THIAGO SUMAN

O juiz Eduardo Appio foi titular na 13ª Vara Federal de Curitiba por quatro meses durante 2023. Enquanto atuava nesse curto período, recolheu um robusto contingente de materialidades que revelam os procedimentos de Sergio Moro, Deltan Dallagnol, Gabriela Hardt e outros protagonistas da ‘Lava Jato’.

Esse pente-fino, segundo Appio, foi rapidamente travado por forças “ocultas” do judiciário, que, por serem reféns de Moro e do lavajatismo, deram um jeito de afastá-lo do cargo, como um tipo de represália, interpreta o magistrado. As descobertas de Appio, somadas às investigações feitas pela Polícia Federal e o parecer do STJ, corroboram para desvelar o rastro de malfeitos da República de Curitiba.

Isso estará exposto no livro “Tudo por dinheiro: a ganância da ‘Lava Jato’ segundo Eduardo Appio”, escrito por Salvio Kotter. O juiz e o escritor estiveram no DCMTV.

“Retirei o sigilo dos processos mais importantes. Especialmente, destaco a conta secreta de Moro que chegou a acumular uma transferência de R$ 5 bilhões de dinheiro da União e que estava com sigilo imposto por ele desde 2016”, diz Appio. O que a Lava Jato chamou de “triangulação dos valores”, é, segundo ele, uma engenharia financeira montada junto ao Departamento de Justiça dos EUA.

Appio relata que Dallagnol teria coagido diretores e assessores jurídicos da Petrobras a fecharem termos de parceria com os norte-americanos. A intenção disso era para que se transferisse os valores referentes aos acordos de leniência para os EUA, sob risco de serem processados em território norte-americano. “A Petrobras era tratada como vítima no Brasil e como vilã nos Estados Unidos. Essa dupla personalidade é outra ficção criada pela Lava Jato”, critica.

“Se fosse nos Estados Unidos, Moro e Dallagnol pegariam, provavelmente, uma prisão perpétua. Teriam, claro, direito ao devido processo legal, direito à ampla defesa. Temos que defender sempre o Estado de Direito, mas questões que afetam a soberania nacional são rigorosamente reprimidas em outros países”, afirma. De acordo com ele, a constatação de traição à pátria e aos interesses nacionais é uma das exceções que a legislação americana abre até mesmo para a pena de morte.

“O STF tem sido a cidadela da democracia, foi sido assim com Lewandowski na época da pandemia do Covid, foi assim com Alexandre de Moraes durante o 8 de janeiro e suas consequências. E atualmente tem sido assim com o nosso bravo, inteligente e experiente ministro Toffoli, que tem marcado seu lugar na história como defensor da Constituição e dos direitos fundamentais”, ressalta.

Appio afasta por completo a possibilidade de se lançar na vida pública. Conta que seu pai, Francisco Appio, foi deputado estadual no Rio Grande do Sul, mas sublinha que ele próprio sente que sua vocação é para a magistratura. “Os holofotes em mim só serviram para colocar um X nas minhas costas. Fui perseguido, tive o salário cortado pela metade pelo TRF, sofri na pele o assédio moral do TRF-4, que depois foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal e pelo ministro Toffoli, que anulou as decisões, restituiu o estado de legalidade e reconheceu o meu trabalho”, diz.

Quando questionado se a decisão de “abrir a caixa de Pandora” da Lava Jato lhe implicava em risco de morte, foi enfático: “Com certeza. Na época em que eu estava lá, pedi carro blindado e o uso de uma [pistola] Beretta, que é um armamento especial da Justiça Federal. Tenho porte e autorização para uso, que me foi concedido pelo desembargador Canalli do TRF”. E segue: “Temo pelo poderio político e econômico que é evidente, tanto de Sergio Moro quanto de Dallagnol.” Sua integridade e de sua família, em caso de algum risco tratado como “incidente”, deve ser atribuído à Lava Jato, declara.

“Gabriela Hardt não está colocada na mesma prateleira que os demais porque atuou como uma espécie de serviçal, uma mera executora, quase uma secretária de Sergio Moro”, afirma. Deltan Dallagnol é definido por Appio como um manipulador. Trata-se, de acordo com o entrevistado, de alguém que forjou acordos ilegais com o departamento de justiça estadunidense e se beneficiou do retorno desse dinheiro oriundo de corrupção.

“Se colocarmos só nas costas de Sergio Moro tudo que aconteceu nesses 15 anos – e a própria eleição de Bolsonaro —, é como debitar nas costas de um mero executor. Seria até engrandecer o intelecto dele, ao invés de colocá-lo no seu devido lugar que é apenas de uma nota de rodapé na biografia do presidente Lula”, define. “Até gente próxima do Bolsonaro diz que Moro o traiu, foi uma facada de Adélio pela frente e a de Moro pelas costas”.