Publicado originalmente no Consultor Jurídico (ConJur)
Por Tiago Angelo
A defesa do ex-presidente Lula enviou nesta quarta-feira (24/2) novos diálogos entre procuradores do consórcio lavajatista em Curitiba ao Supremo Tribunal Federal. As conversas mostram que os integrantes do Ministério Público Federal no Paraná tentaram proteger uma delegada da Polícia Federal chamada Erika — provavelmente Erika Marena, que era a responsável pelos casos da “lava jato” — após ficarem sabendo que ela teria forjado e assinado um depoimento que nunca aconteceu.
As mensagens sobre o episódio, apreendidas a partir de ação da Polícia Federal comandada pelo então ministro Sergio Moro, começaram a ser trocadas em 22 de janeiro de 2016. Na ocasião, o lobista Fernando Moura, responsável por delatar o ex-ministro José Dirceu, disse ao então juiz Sergio Moro que não reconhecia parte de seu depoimento. “Assinei isso? Devem ter preenchido um pouquinho mais do que eu tinha falado”, afirmou Moura.
“Caros, temos as gravações dos depoimentos de Fernando Moura na colaboração? Ele está se desdizendo aqui na audiência em pontos importantes”, disse o procurador Roberson Pozzobon a colegas de MPF. A ConJur manteve abreviações e eventuais erros de digitação e ortografia presentes nas mensagens.
Em seguida, a própria Erika explica o que aconteceu. Segundo ela, foi negociado com Moura e seu advogado que um depoimento seria entregue pronto. A delegada assinaria, embora não tivesse tomado as declarações.
“Ao que me lembre vocês negociaram o acordo com o Moura em um dia e combinaram de no outro o advogado trazer os termos prontos. No dia seguinte os advogados vieram na SR [Superintendência Regional] por parte da LJ [“lava jato”], então eles usaram meu nome no cabeçalho, mas não tomei e não participei de nenhum termo. Se ele está desdizendo, infelizmente não haverá gravações.”
A imprensa acabou sabendo que Moura afirmou não se lembrar sobre o que constava no depoimento e a “lava jato” passou a ensaiar uma resposta. A ideia foi dizer que as declarações do lobista não foram gravadas, mas que o depoimento ainda seria analisado “em conjunto com as demais provas que instruem o feito”.
Protegendo Erika
Em 25 de Janeiro, Dallagnol disse que o MPF deveria proteger Erika. “Adv e ele [Moura] têm que explicar, mas devemos proteger Erika. Se ela entendeu errado a orientação e agiu de boa-fé. Mas o advogado é evidentemente responsável. Eu acho que tínhamos que mostrar que a negativa [de que lembrava do depoimento] é irrelevante no contexto da prova. Isso deixaria sem sentido ou sem efeito a ideia de manipulação.”
O procurador José Robalinho Cavalcanti dá uma solução mais drástica. Diz que Moura deve ser preso. “E Fernando Moura voltou atrás da delação. Na frente do Moro desdisse tudo. Agora tem de ser exemplarmente punido — inclusive com prisão — ou o instituto sofrerá um abalo. Nada que os colegas da ‘lava jato’ não saibam muito melhor do que nós ou que não estivesse nos nossos cálculos. Com tantos delatores, era inevitável que alguém fraquejasse. Mas as defesas vão fazer um escarcéu”, afirmou.
“Depoimentos terceirizados”
Os depoimentos combinados com advogados eram prática comum da “lava jato” e tinham até nomenclatura própria: “terceirização dos depoimentos”, conforme dito pelo procurador Orlando Martello em parte dos diálogos.
“Já dei pra ver q a terceirização dos depoimentos não funciona. Temos que, no mínimo, qdo o Adv já vem com os depoimentos, lê-lo, aprofundar e gravar de modo a ficar registrado o q ele diz. Temos q consertar isso. Os maiores culpados disso fomos nós. Disponho-me no meu retorno a ajudar no caso”, disse Martello, ainda em referência ao caso envolvendo a delegada Erika.
Os procuradores também afirmaram que a tática de “terceirização” não aconteceu somente em um caso. “O mesmo ocorreu com padilha e outros. Temos q chamar esse pessoal aqui e reinquiri-los”, prossegue Martello, em possível referência ao lobista Hamylton Padilha.
Segundo a defesa de Lula, os procuradores “aludem nesse diálogo à ‘terceirização de depoimentos’, expressão utilizada para designar que teriam ocorrido perante autoridades, mas que, em realidade, não existiram”.
“Vale dizer, é possível aferir do material que muitos ‘depoimentos’ de delatores na ‘lava jato’ que levaram pessoas — inclusive o Reclamante — à prisão ou serviram para subsidiar conduções coercitivas, buscas e apreensões em residências, empresas e escritórios, dentre outros atos de extrema violência, possivelmente sequer existiram. Enquadram-se na categoria de ‘depoimentos terceirizados’ ou depoimentos que, embora tenham forma oficial, não foram coletados pela autoridade indicada”, prosseguem os advogados do petista.
A defesa do ex-presidente Lula é feita por Cristiano Zanin, Valeska Martins, Maria de Lourdes Lopes e Eliakin Tatsuo.
Forjado
Conforme publicou a ConJur no último dia 22, no intuito de colaborar com a atuação da “lava jato”, delegados da Polícia Federal forjaram e assinaram depoimentos que jamais ocorreram, tudo com a anuência dos procuradores de Curitiba.
“Como expõe a Erika: ela entendeu que era pedido nosso e lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada… Dá no mínimo uma falsidade… DPFs são facilmente expostos a problemas administrativos”, afirmou Dallagnol.
Orlando Martello Júnior demonstra preocupação com a possibilidade de esses problemas administrativos levarem ao descrédito da força-tarefa de Curitiba. Diz que “se deixarmos barato, vai banalizar”.
Então propõe uma saída: “combinar com ela de ela nos provocar diante das notícias do jornal para reinquiri-lo ou algo parecido”. “Podemos conversar com ela e ver qual estratégia ela prefere. Talvez até, diante da notícia, reinquiri-lo de tudo. Se não fizermos algo, cairemos em descrédito.”
Rcl 43.007