Terreiros de Candomblé criticam Anielle Franco e pedem ajuda de Lula

Atualizado em 11 de outubro de 2024 às 21:00
Anielle Franco de cabelo solto e camiseta azul marinho, com expressão de tédio
Anielle Franco, do do Ministério da Igualdade Racial (MIR) – Divulgação

Terreiros de candomblé e organizações defensoras das religiões de matriz africana redigiram uma carta endereçada ao presidente Lula (PT), na qual expressam críticas à atuação do Ministério da Igualdade Racial (MIR) em relação ao tema. Com informações de Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo.

Eles acusam a ministra responsável, Anielle Franco, de negligenciar a causa, afirmando que ela está “desarticulando a possibilidade de retomada do que iniciamos nos governos de Lula e Dilma [Rousseff]”. O documento pede uma intervenção no ministério, com a substituição da equipe e, em última instância, a troca da ministra.

O texto também menciona que o comportamento da ministra, envolvida em polêmicas recentes, prejudica o governo Lula. Além disso, criticam a demissão de membros importantes, que participaram da construção das políticas voltadas aos povos de terreiro. Como exemplo, citam a demissão de Yuri Silva, ex-secretário do Sinapir, que é descrito como “um jovem negro de candomblé, amplamente reconhecido por sua atuação em prol da liberdade religiosa e da juventude”.

Procurado para comentar, o ministério afirmou que não recebeu a carta oficialmente e, portanto, não pode garantir sua veracidade. Ressaltou, no entanto, que possui uma diretoria dedicada aos Povos de Terreiro e Matriz Africana, e que uma política sobre o tema está em fase de diálogo com grupos de todo o Brasil, com previsão de lançamento em breve.

O documento também destaca o atraso na publicação da Política Nacional de Combate ao Racismo Religioso e critica o baixo investimento para povos de terreiro. Sobre a demissão de Yuri Silva, o ministério afirmou que a troca faz parte de uma prática comum em cargos de confiança e que o trabalho continuará com a nomeação de Clédisson Geraldo dos Santos, antropólogo mineiro com vasta experiência na área.

O babalorixá Babá Pecê, do terreiro Casa de Oxumarê, ressaltou a falta de diálogo da ministra com os terreiros e mencionou que ela não compareceu a encontros marcados com o grupo em duas ocasiões. “Sofremos com o preconceito e a intolerância religiosa, e nossos espaços têm sido invadidos e atacados”, afirmou ele.

A carta também pede uma mesa de negociações com o presidente para tratar do tema, destacando a insatisfação com o tratamento recebido pelo governo. O ministério, por sua vez, citou políticas implementadas recentemente, como uma parceria com a Fiocruz através do edital Mãe Gilda de Ogum, que destinará R$ 1,5 milhão para iniciativas ligadas à economia de axé, cultura dos povos de terreiro, comunidades de matriz africana e agroecologia.

Mãe Telma de Iemanjá e Lula durante a agenda no Ceará em 2021
Mãe Telma de Iemanjá e Lula durante agenda no Ceará em 2021 – Ricardo Stuckert

Leia o texto do documento na íntegra:

“Carta de terreiros e entidades negras e de matriz africana ao presidente Lula

Os terreiros de candomblé, organizações da luta pelos direitos de religiões de matriz africana e outras organizações sociais de ativismo político que assinam esta carta, direcionada ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sempre estiveram na defesa da democracia e dos governos democráticos e populares petistas mesmo em momentos difíceis de ameaça aos avanços conquistados nas políticas públicas nacionais.

Tratam-se de representações de casas tradicionais de candomblé do Brasil, que reúnem inclusive patrimônios nacionais tombados e registrados e que representaram aliados fiéis ao presidente Lula em todos os seus governos e também durante o processo da sua prisão injusta.

Neste sentido, investidos desta história, os terreiros e as organizações que subscrevem essa carta manifestam-se com preocupação sobre a política do Ministério da Igualdade Racial para esse segmento, que encontrou o descaso total da Ministra da pasta até agora, desarticulando a possibilidade da retomada do que iniciamos nos governos Lula e Dilma anteriores.

Nossa crítica ao tratamento do MIR aos terreiros do candomblé amplia-se diante do envolvimento da ministra em polêmicas que não ajudam o Governo Lula, e mais recentemente com a demissão de quadros ligados a construções históricas das políticas para os povos de terreiro.

Recebemos com muita preocupação a demissão por telefone, e durante um resguardo provocado por luto familiar, do Secretário Nacional Yuri Silva, que compõe uma organização histórica de ativismo em defesa das religiões de matriz africana, a saber o CEN, e que é um intelectual na formulação dessas pautas.

Silva, grande quadro do movimento negro nacional, é um jovem negro de candomblé, amplamente conhecido pela sua atuação nas pautas da liberdade religiosa e da juventude negra, tendo sido responsável pela elaboração política e técnica do Plano Juventude Negra Viva e de programas de intercâmbio do governo com países africanos, latino-americanos e caribenhos.

Não trata-se de personalizar a insatisfação política, mas compreender que tal movimento de desligamento demonstra mais uma vez o descompromisso da Ministra Anielle Franco com as pautas deste segmento e com o conjunto das políticas de igualdade racial do Brasil.

Neste sentido, solicitamos uma mesa de negociação com o Presidente Lula para conversar sobre os caminhos das políticas para terreiros. Pontuamos questões a serem tratadas que apontam, além dos fatos já citados, a fragilidade da gestão da Ministra Anielle Franco:

● Má vontade na retomada de políticas relevantes para os povos de terreiro, como a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais e outras ações pontuais, como a distribuição de alimentos para terreiros de candomblé do Brasil via MIR e CONAB;

● Demora na publicação da Política Nacional de Combate ao Racismo Religioso, elaborado neste governo pela até técnica do Ministério, porém obstaculizada pelo gabinete da Ministra e por sua Secretária Executiva;

● Falta de diálogo com os terreiros de candomblé patrimonializados como bens materiais e bens Imateriais do Brasil pelo IPHAN, de forma a prestar apoio a esses patrimônios negros históricos que dialogam com a população negra local. A saber, a ministra nunca visitou esses espaços sagrados e desmarcou encontros após eventos prontos, em pelo menos duas ocasiões;

● Baixo investimento orçamentário para povos de terreiro, o que demonstra a falta de prioridade do Ministério para o segmento.

Além disso, também elencamos pontos que dizem respeito ao conjunto das políticas de igualdade racial, e não só ao nosso segmento, considerando que a população negra configura-se como um povo amplo e repleto de demandas históricas represadas.

Por isso, também elencamos como problemas da gestão Anielle Franco:
● Falta de participação social na elaboração das políticas públicas, por meio da ASPADI/MIR (área responsável pelo assunto), e ausência de diálogo da ministra com os movimentos sociais;

● Adiamentos sucessivos da 5ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial e desrespeitos constantes ao Conselho Nacional de Igualdade Racial;

● Descontinuidade de projetos de formação de conselheiros em 200 municípios brasileiros, os quais estavam sendo gestados pelo Secretário demitido;

● Falta de renovação de Decretos do Plano Nacional de Igualdade Racial (PLANAPIR) e da Política Nacional de Igualdade Racial (PNPIR) – que datam, respectivamente, de 2008 e 2003 e necessitam de atualização;

● Boicote a tentativas de publicação de novas regras elaboradas para o Sistema Nacional de Igualdade Racial – SINAPIR, a fim de ampliar a adesão de municípios e estados às políticas nacionais de igualdade racial e a penetração do governo federal nos entes subnacionais.

Dito isto, reafirmamos nossa intenção de diálogo com o presidente Lula e seus assessores do Palácio do Planalto, no sentido de uma intervenção no Ministério da Igualdade Racial e, se não obstante for, a substituição da equipe da ministra ou, em última instância, dela própria.”

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