Publicado originalmente no Repórter Brasil:
“Eu sinto que tá vindo coisa pesada pra nós aqui na [fazenda] Santa Lúcia”. As palavras premonitórias foram ditas pelo trabalhador rural Fernando Araújo dos Santos no dia 8 de janeiro, duas semanas antes de ser assassinado com um tiro na nuca. Assim ele encerrava entrevista sobre recados e ameaças que recebeu dos policiais responsáveis pela Chacina de Pau D’Arco. Em maio de 2017, 16 policiais civis e militares mataram dez trabalhadores sem-terra que ocupavam a fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco, no Pará.
Fernando era a testemunha que guardava na memória a maior riqueza de detalhes sobre o caso. Ele viu seu namorado morrer e se fingiu de morto para escapar. Ele narrava como a polícia rendeu, humilhou e torturou seus colegas antes de executá-los com tiros à queima roupa. Parecia história de terror, mas seu relato foi confirmado pela investigação da Polícia Federal e Ministério Público.
Os policiais, hoje réus por homicídio, aguardam julgamento em liberdade e na ativa. Andam fardados no mesmo local onde vivem – ou viviam – as testemunhas. A liberdade aos matadores (ou réus) foi concedida pelo ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça, em junho de 2018.
Sobrevivente da chacina. Sem-terra. Gay assumido. Fernando odiava todos esses rótulos. Quando nos conhecemos, rodou os olhos para cima ao ser apresentado como “o sobrevivente”. Era dono de um humor perspicaz e driblava com elegância o fato de ser analfabeto. Na terra que queria chamar de sua, ele plantava e criava patos, porcos, galinhas, gatos e cachorros. Além dos xodós, um papagaio chamado Rosa e a cadela Princesa. Vivia a fartura de um trabalhador rural.
Há quase quatro anos, desde a chacina, a equipe da Repórter Brasil acompanhava Fernando para um documentário. Sempre com uma nota de coragem acima da maioria, foi ele quem convenceu outros sobreviventes a falar. Depois, foi o primeiro a deixar o programa de proteção às testemunhas e voltar para a fazenda. Lá, estava sempre trabalhando em algo novo. Uma roça, uma casa de alvenaria, uma represa para ter água perto. Sua última invenção foi abrir um bar e mercearia na fazenda. Ocupada por mais de cem famílias desde 2016, ali não há comércio, rede elétrica, água encanada, transporte público ou escola.
Em janeiro desse ano, porém, encontramos outro Fernando. Cabisbaixo, olhando para os lados, com medo até de sair de casa. Precisou muito convencimento para nos deixar filmar, e a autorização só foi dada sob uma condição. A entrevista, sua última, só poderia ser divulgada “caso o pior aconteça”.
Nela, Fernando deu um longo e detalhado depoimento sobre recados que chegaram em dezembro de três pessoas diferentes, mas sempre com a mesma mensagem. “Os policiais estão pensando em vir aqui dar um jeito de não haver mais testemunha antes do julgamento. Não há testemunha, não há julgamento”. Além dele, outros sobreviventes que moram na fazenda receberam as mesmas mensagens.
Um dos policiais citados por Fernando foi Ronaldo Silva. “Ele disse que tava querendo vir aqui pra ver se amenizava nosso depoimento ‘porque os dois são a chave da nossa cadeia’”, disse ele, reproduzindo a frase que teria sido dita pelo policial sobre ele e outro sobrevivente. “’Nós tamos querendo ir lá, mas estamos preocupados deles quererem filmar e denunciar a gente’”.
Em outra ocasião, Fernando foi alertado por pessoa de sua confiança. “Fica veiaco [em alerta]. Os policiais querem reunir pra vir aqui falar com vocês, pra darem uma quebra lá no tribunal”, disse Fernando, lembrando as palavras que ouviu. “Fiquei preocupado, três [mensagens] seguidas?”. Quando ele respondeu que já estava sabendo, o amigo enfatizou que “não era mentira” e apontou para uma pessoa que estava com ele: “olha quem ouviu”. Nesse momento, segundo Fernando, uma pessoa que estava no local confirmou que ouviu as palavras da boca dos policiais.
“Os policiais estão pensando em vir aqui dar um jeito de não haver mais testemunha antes do julgamento. Não há testemunha, não há julgamento”
Procurado pela reportagem, o advogado do PM Ronaldo, Adilson Vitorino, afirmou que ele está trabalhando em outra cidade, distante da fazenda Santa Lúcia. Além de Ronaldo, ele representa outros seis policiais que são réus da chacina e questionou a lógica por trás da denúncia feita por Fernando. “Eles [policiais] estão proibidos de falar ou chegar perto de qualquer uma das vítimas e familiares”, afirmou o advogado. “Se o policial está sendo acusado formalmente, ele teria coragem de mandar um recado para um cidadão desse? Isso nem no imaginário na mente do ser humano que tem pensamento médio. Isso é um absurdo que chega a ser gritante, é raciocínio de um ser humano bem abaixo, é ilógico”.
O advogado dos policiais questionou, ainda, a motivação de seus clientes contra Fernando, que o grupo não tinha razão para querer silenciar Fernando porque o depoimento dele não foi importante dentro do caso. “Ele era namorado do cara que morreu, e era vítima. Então, na verdade, ele nem poderia ter feito o depoimento sob o manto de dizer a verdade, porque ele tinha interesse no processo”, afirmou Vitorino, que além de advogado criminalista é irmão de um dos policiais réus na chacina.
Quando questionei Fernando sobre como saber se eram mesmo os policiais por trás das ameaças, ele argumentou que duas das pessoas que trouxeram o recado conheciam eles. Elas teriam confirmado, para Fernando, que ouviram as palavras da boca dos policiais. “Policial aqui faz o quer quer, a impunidade é assim”, disse.
Horas antes de ser morto, Fernando me enviou uma mensagem de voz. Pela primeira vez em cinco anos, decidiu sair da fazenda Santa Lúcia. Estava de mudança para a cidade. “Foi por causa das ameaças que você decidiu sair?”, perguntei. “É por isso mesmo”, ele respondeu. “Mas eu vou aqui pra perto, em Redenção”.
Não deu tempo. Aconteceu naquela mesma noite, enquanto ele recolhia as galinhas para a mudança na manhã seguinte. Um tiro na nuca, à queima roupa. Fernando foi encontrado sem vida pela família, caído no chão. Acompanhado apenas por Rosa, o papagaio, que ficou ao seu lado até o corpo ser levado. A cadela Princesa só apareceu dois dias depois, com machucados pelo corpo.
Coincidências?
A morte de Fernando ocorreu enquanto se desenrolava outro fato de grande importância para o caso da chacina e da fazenda Santa Lúcia. Horas antes de ser morto, Fernando tentou contato com o seu advogado, José Vargas Junior, mas a capacidade de atuação do profissional estava limitada. Responsável pela defesa de Fernando e outras vítimas da chacina, Vargas foi preso no início do ano sob a acusação de envolvimento em outro caso de homicídio.
Afragilidade de evidências contra o advogado levantou suspeitas de que a prisão poderia ser uma retaliação devido ao seu trabalho na Santa Lúcia. Mais de vinte entidades de direitos humanos assinaram carta em apoio a Vargas e questionaram a sua prisão. Entre os signatários está Michel Forst, que foi Relator Especial da ONU sobre defensores de direitos humanos de 2014 a 2020. O advogado, que atua em diversos outros casos na região, faz parte de rede internacional de defensores de direitos humanos.
No pedido de prisão, as evidências contra ele se resumiam a piadas enviadas por áudio do WhatsApp. Elas foram transcritas pela polícia de modo a parecer que estava falando sério, sem menção às suas risadas. “O que a polícia tem contra ele é extremamente frágil. São mensagens em claro tom de brincadeira”, afirma seu advogado Marcelo Mendanha, que é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Redenção”.
Vargas, que também é professor universitário, era conhecido na cidade por suas críticas sobre a relação promíscua entre o poder econômico local e o Judiciário.
Um dia depois da prisão, passaram a circular pelas redes sociais áudios e vídeos que atacavam a sua imagem pública. Em um vídeo vazado, ele dança em uma festa enquanto mostra o dedo do meio para a câmera. Essa imagem circulou com a informação falsa de que fora filmada um dia antes dele ser preso, como se fosse um deboche com o trabalho da investigação.
O celular e o computador do advogado estavam apreendidos pela polícia quando o material começou a circular.
Experiente no envolvimento da polícia na disputa por terras no Pará, ele não acreditava em coincidências. Não teve dúvidas sobre o porquê de o advogado ter sido preso justo no mesmo momento em que chegavam recados e ameaças sobre o caso da chacina. “A gente percebe que tudo é uma tramação da polícia com os latifundiários e fazendeiros, eles estão armando pra tirar o Vargas de circulação. Isso tudo tem a ver com a nossa situação. Eu fico preocupado também com a reintegração, o Vargas lá preso e nós aqui”.
“[Os policiais] riam e gritavam: ‘É pra matar. Pega, pega! É pra matar mesmo. Vamos matar todos. Isso, bota a mão na cabeça pra morrer. Morre velha safada. Que velho difícil de morrer’”.
Vargas era advogado de Fernando em três frentes. Além de ser o responsável pela acusação da polícia na chacina e pelo pedido de indenização contra o estado (até hoje nenhum sobrevivente ou parente das vítimas recebeu qualquer apoio do estado), ele também trabalhava para impedir a reintegração de posse da fazenda. Desde que a chacina ocorreu, uma ordem de despejo para retirar os trabalhadores sem-terra do local continua em vigor, a pedido dos supostos proprietários, a família Babinski.
Neste momento, o despejo depende apenas da retomada das atividades devido à pandemia.
A família proprietária da fazenda foi alvo de busca e apreensão dentro da investigação sobre os mandantes da chacina. Apesar de haver indícios de que a polícia agia em associação com os fazendeiros, a investigação nunca foi concluída pela Polícia Federal ou pelo Ministério Público Estadual.
Quem sai ganhando?
Vargas sempre foi um empecilho para quem quer tirar os sem-terra dali. “A atuação dele no caso da Santa Lúcia é excepcional, duvidamos que outros advogados tivessem conseguido segurar a ordem de reintegração como ele”, afirma Andréia Silvério, advogada popular atuante na Comissão Pastoral da Terra. “Agora que ele está preso, isso pode sim ser utilizado como uma facilitação para que a liminar de reintegração de posse seja cumprida”.
Mesmo de dentro da casa penitenciária, Vargas escreveu à mão uma petição para tentar postergar o despejo. No dia que nos recebeu para uma entrevista, ele estava preocupado com os sem-terra, mas ainda não via a relação entre a sua prisão e o caso da chacina. Teve reação enfática quando perguntei se estava sendo retaliado pela atuação na Santa Lúcia. “Não posso acreditar que a polícia faria isso, não acredito”, disse. Passou a maior parte da entrevista decifrando, um a um, o emaranhado de erros cometidos na investigação que o colocou ali. Quando voltei a perguntar, ao final, sobre a relação entre sua prisão e a chacina, ele voltou a negar.
Dois dias depois, em uma carta que provavelmente seria lida pelos agentes penitenciários, ele me escreveu: “a resposta para a sua última pergunta é sim. Sim! Estava o tempo todo embaixo do meu nariz e eu não via. Por um lado, estou mais tranquilo, porque entendi a arbitrariedade. Por outro, estou com medo”.
No dia 25 de janeiro, Vargas conseguiu prisão domiciliar. No dia seguinte, Fernando foi assassinado.
Hoje, ele não tem meias palavras: “eu não tenho dúvidas da relação entre a minha prisão e o massacre de Pau D’Arco e que a morte do Fernando foi queima de arquivo”. Vargas chegou a essa conclusão depois de remontar a cronologia dos fatos.
Ele foi procurado por Fernando na véspera de Natal para falar das ameaças, “mas nós tínhamos que esperar o recesso de final de ano para articular a proteção dele”. No dia primeiro de janeiro, foi preso em uma investigação cheia de falhas e teve seu celular apreendido. Nele, segundo Vargas, havia áudios tratando das ameaças a Fernando e sobre providências para a sua proteção que seriam tomadas depois do recesso. No dia 25, foi para prisão domiciliar. No dia 26, Fernando foi assassinado.
Polícia investiga polícia?
A investigação sobre a morte de Fernando ainda está em curso, e já mudou de mãos algumas vezes. Nos primeiros dias, a Polícia Civil de Redenção não parecia muito dedicada em investigar o caso. Segundo pessoas que estavam no local, os policiais analisaram a cena do crime por cerca de dez minutos e já removeram Fernando para um caixão.
Ele foi morto no final da noite. Na manhã do dia seguinte, seu corpo já estava sendo velado pela família. No início da tarde, a reportagem entrou em contato com o delegado então responsável pelo caso, Diego Máximo, para perguntar se não haveria perícia, e ouviu apenas que ele não poderia falar com a imprensa. O mesmo questionamento estava sendo feito por entidades de direitos humanos. Menos de uma hora depois, a família de Fernando foi informada de que o corpo seria retirado do velório para ser levado ao instituto de criminalística de Marabá. Ou seja, o corpo foi periciado depois de ter sido lavado e tratado pelo serviço funerário.
Sabendo que de nada adiantaria levar as denúncias que Fernando confiou à nossa equipe à própria Polícia Civil de Redenção, onde trabalham os réus da chacina, a reportagem tentou contato com a Secretaria de Segurança Pública do Estado. No dia seguinte ao assassinato, solicitamos contato com o secretário Ualame Machado. Pelo e-mail da secretaria e pelo telefone pessoal de Ualame, a reportagem ressaltou que tinha “informações que ligam a morte de Fernando ao caso da chacina”. Como resposta, recebemos uma nota protocolar da Polícia Civil de Redenção.
Tanto a secretaria quanto a polícia ignoraram o fato de estarmos oferecendo informações sobre o crime.
Uma semana depois, a investigação mudou de mãos. Está agora com o delegado de conflitos agrários de Redenção, Antonio Mororó Junior. Ele atendeu a Repórter Brasil e se mostrou aberto a receber o material. Mororó afirmou que vai explorar todas as linhas e que não pretende encerrar a investigação apenas com o executor, assumindo o compromisso de investigar também o mandante do assassinato de Fernando. Questionado sobre as limitações de se investigar colegas da corporação que vivem na mesma cidade, ele afirmou que não vai deixar isso influenciar o seu trabalho.
Vitorino, o advogado de defesa dos policiais da chacina, está convicto de que o delegado já sabe quem é o culpado e que não tem relação com seus clientes. “Tenho certeza que ele só não disse nada para não atrapalhar. A polícia vai desvendar, vai apresentar a conclusão do inquérito e vai demonstrar qual era a briga e o interesse deles lá dentro. Eu, como defesa, já tenho informações concretas sobre isso”.
Nas minhas conversas com Fernando em janeiro deste ano, ele se mostrou especialmente desconfiado da polícia como um todo. Isso porque, em novembro, Fernando levou um tiro na barriga e foi hospitalizado. Ele passou informações para a polícia sobre o homem que tentou lhe matar, mas nada aconteceu. “Aqui é assim, de nada adianta procurar a polícia”, disse. Na época, o motivo do crime não parecia ter relação com a disputa de terra.
“O Fernando não confiava nas autoridades locais e, infelizmente, estava certo de não confiar”, afirma Vargas. “Um dia depois da chacina, eu tentei convencer ele a depor para o promotor estadual, mas ele recusava. Dizia ‘quem matou a gente foi a polícia, eles [promotores] são amigos da polícia’”. Para convencer Fernando a falar, foi preciso fazer um convênio com procuradores do Ministério Público Federal, que colheram o seu depoimento.
O mesmo promotor estadual que investigou a chacina em 2017 foi quem pediu a prisão do advogado das vítimas em dezembro. Entrevistado em janeiro, Leonardo Caldas refutou qualquer relação entre os casos. “A prisão do Vargas se deu agora, em 2020. O fato dele ter atuação ativa na Santa Lúcia são matérias totalmente diferentes. Um caso é conflito agrário, o outro é o homicídio. Não tem nenhuma zona de intersecção”.
Um dia de terror
Depois de fornecer as informações para os procuradores federais e para os poucos jornalistas que cobriram a chacina no local, Fernando evitava rememorar o episódio. Só falava quando era necessário. Os curiosos, botava para correr. O relato a seguir foi gravado logo depois da chacina.
Fernando contava que, quando os policiais chegaram na fazenda Santa Lúcia na manhã do dia 24 de maio de 2017, ele e seus amigos estavam começando a tomar o café da manhã. Fernando era o responsável pela cozinha improvisada no acampamento. Quando ouviram a polícia chegar, em diversos carros, algumas pessoas ficaram com medo e quiseram se esconder, eles então caminharam para dentro do mato. Estavam sentados sob uma lona, para se proteger da chuva forte que caía. O barulho da água batendo no plástico impediu que ouvissem o som dos passos. Quando notaram, já estavam cercados.
Ao ouvir os tiros, Fernando não teve tempo de levantar. Ele ficou preso embaixo do corpo do seu namorado, um dos primeiros a morrer. Os dois ainda trocaram um último “olhar triste”. Fernando ficou imóvel embaixo do seu corpo, como se estivesse morto também. Quando notou que os policiais não estavam olhando, se arrastou para dentro do mato, de onde ouviu tudo.
As descrições do que viveu e ouviu são a definição do horror.
“Eu só ouvi uma voz dizendo assim: ‘é a polícia, corre não, bando de bandido se não morre’. Eu ouvi isso e tiro em cima. Todo mundo sentado no chão, não deram chance pra ninguém nem levantar a mão. Eles pegaram muitos amigos ainda vivos, a gente ouvia: ‘por favor não faça isso’. Os outros tavam chorando. ‘Eu não vou correr, não, pelo amor de Deus’. Eles estavam vivos. Ouvi as pancadas. [Os policiais] riam e gritavam: ‘É pra matar. Pega, pega! É pra matar mesmo. Vamos matar todos. Isso, bota a mão na cabeça pra morrer. Morre velha safada. Que velho difícil de morrer’”.
A defesa dos policiais alega que eles mataram os sem-terra durante um confronto. Mas o depoimento de Fernando foi confirmado por investigação da Polícia Federal, que constatou tortura e tiros à queima roupa. As informações prestadas por ele foram confirmadas ainda pela confissão de dois policiais que participaram da chacina e que fizeram acordo de “delação premiada”. Ao contrário de Fernando e outros sobreviventes, esses policiais continuam no programa de proteção a testemunhas.
Quem é o próximo?
Há pelo menos outras duas testemunhas da chacina que receberam mensagens parecidas. Uma delas é amiga próxima de Fernando, que nossa equipe também acompanha desde o massacre. Apavorada com a notícia do assassinato, ela teve que abandonar o lugar onde morava, deixando para trás a plantação de milho, mandioca e outras culturas que cultivava sozinha em seu lote.
O advogado dos dois agora vive uma situação peculiar. Vargas está em prisão domiciliar, mas sua casa ganhou a “proteção” de rondas periódicas. As rondas são feitas por agentes da mesma corporação onde trabalham os policiais que ele acusa no processo da chacina.
Restrito à chácara rural onde mora com sua parceira e as filhas de 6 e 8 anos, ele teme pela sua vida e de sua família. Mas garante que não vai se calar diante do cerco.
Ele teme ainda pelos outros grupos que defende, indígenas e sem-terra que sofrem violência da polícia e de seguranças privados contratados por fazendeiros e mineradores. Ele vê um efeito cascata da morte de Fernando, que vai muito além da chacina.
O caso Santa Lúcia já era uma referência negativa. “A polícia matou dez e não aconteceu nada. Os policiais estão na ativa e nunca pegaram os mandantes”, afirma. “Agora que a sensação de impunidade vai ficar muito grande, ninguém vai ter coragem de falar mais nada. Sensação não, certeza”.