Mesmo quando não está no ar, o Big Brother Brasil dá um jeito de ser manchete – deve ser esse o maior e mais bem guardado segredo de uma indústria milionária.
Essa semana o hype ficou por conta de Tiago Leifert, ex-apresentador do reality, que tentou lacrar ao responder Ícaro Silva (mas só conseguiu passar vergonha, mesmo) em defesa ao Big Brother Brasil, que havia sido duramente criticado pelo ator.
A treta começou quando, se manifestando sobre as especulações de que participaria do BBB22, o global Ícaro Silva respondeu publicamente no twitter: “Gente, respeita a minha história, a minha trajetória, meu ódio por entretenimento medíocre e minha repulsa por dividir banheiro. Parem de acreditar nessa história absurda de que eu cogitaria ir para o Big Boster Brasil”.
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Ok, vamos aos fatos: os comentários são desnecessários e refletem, sim, o ódio pelo “entretenimento medíocre”, frequentemente chamado de “entretenimento de massas”, e o mais engraçado disso tudo é que essa indústria que o ator critica é a mesma para a qual ele trabalha – sem julgamentos, apenas uma observação ao fenômeno (considerando que, quando é necessário trabalhar e sobreviver dentro do sistema capitalismo, é muitas vezes impossível aliar isso aos nossos valores morais).
A crítica de Ícaro Silva – apagada do Twitter depois da repercussão negativa – soou, para mim, bastante preconceituosa. Nada, entretanto, justifica a resposta de Tiago Leifert ao tentar surfar na onda:
“Oi, Ícaro, sou o ex-apresentador do BBB. Não vou tentar mudar sua opinião: você tem total direito de achar qualquer produto “medíocre”. Assim como eu, por exemplo, posso dizer o que eu penso de você: você é um excelente ator. Contudo, sua opinião sobre realities não é uma crítica construtiva e, sim, apenas uma agressão gratuita a quem nunca te fez mal”, escreveu o apresentador, que finalizou com um “Não só não te fizemos mal como provavelmente pagamos o seu salário nessa última aê.”
Isso é mais ou menos como dizer “nós pagamos o seu salário, então temos o direito de te amordaçar e te impedir de falar a sua opinião sobre os nossos programas”, mas ainda não é o pior: ou será que ninguém percebe mesmo o quanto silenciamento esse argumento arrogante traz consigo?
O que paga o salário de Ícaro Silva é o que paga o salário de todo trabalhador: o trabalho. A força de trabalho vendida em um sistema em que o operário não tem acesso ao que ele mesmo produz e etc etc. Não é Tiago Leifert ou Juliette. É o talento dele, conquistado e construído em sua trajetória.
Portanto, o comentário de Ícaro Silva foi infeliz, mas a resposta foi ainda mais.
Não sei se o sapatênis humano responderia assim a outro branco, mas certamente não o faria diante de alguém com mais prestígio do que ele na Globo.
Ícaro Silva não se consagrou na emissora: fez Malhação e alguns outros trabalhos, mantém contrato, mas claramente não compactua com os valores globais. Não se presta a uma docilidade servil diante da branquitude global, não se limita à “cota preta” da Globo. Diferente, muito diferente, de Leifert, Ícaro não “veste a camisa da empresa” (e deveria?).
Talvez por isso – além do racismo encrustado que nem dendê em blusa branca – tamanha arrogância do apresentador ao responder publicamente à crítica do colega.
E antes que alguém diga que “tudo hoje em dia é racismo”, relembro o episódio revelador em que Tiago Leifert escreveu em sua coluna no G1 que “quando política e esporte se misturam, dá ruim”.
Na ocasião, seu objetivo era criticar o atleta estado-unidense Colin Kaepernik, que resolveu se ajoelhar durante a execução do hino americano para protestar contra a violência policial contra os negros no país.
Ao que parece, o racismo não incomoda o sapatênis humano, mas manifestações antirracistas são capazes de fazê-lo escrever um textão inteiro defecando pela boca (ou pelos dedos).
“Trump ficou pistola, os torcedores conservadores também, considerando um desrespeito ao hino. Independente do que você, leitor, ache, Kaepernick está desempregado”, escreveu ao G1.
O fato de o atleta estar desempregado é, pra Tiago Leifert, uma prova de que esporte e política não combinam. Já pra qualquer outra pessoa com o mínimo de senso crítico e honestidade intelectual, é apenas a prova de que a política de silenciamento aos negros segue mais forte do que nunca – apoiada, inclusive, por gente como ele, e por atitudes como esta: dizer a Ícaro Silva publicamente “nós pagamos o seu salário” é demonstrar, sem nenhum desconforto, que a branquitude não faz questão de esconder esse silenciamento.
Talvez Ícaro termine como Kaepernick. Em um país como o Brasil, em uma emissora como a Globo, certamente, cedo ou tarde, terminará. E a branquitude, certamente, ao contrário de Ícaro, será perdoada.
Mas eu jamais perdoarei Tiago Leifert por me fazer repetir esse clichê terrível antes que o ano termine: viver é político. Por isso misturar política com qualquer coisa jamais será uma escolha – um olhar menos superficial para a vida te diria isso, caro sapatênis.
A arrogância de Tiago Leifert é a arrogância da branquitude. E mesmo diante do sentimento de impotência vale ainda dizer: nós nos lembraremos disso.