Publicado no blog de Marcelo Auler
Decorridos 11 anos desde que a falsa notícia foi publicada, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo decidiu, em julgamento realizado em 20 de outubro, responsabilizar o jornalista Diogo Mainardi, junto com a Editora Abril, por acusações infundadas que ele publicou na revista Veja, em abril de 2009, contra Victor Martins, então diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O ataque a Victor tinha um alvo nada oculto: o seu irmão, Franklin Martins, então ministro da Comunicação Social do governo de Luís Inácio Lula da Silva. Com a decisão, o TJ-ES confirmou: Mainardi mentiu.
Acatando o entendimento do relator da Apelação Cível, desembargador Annibal de Rezende Lima, de que Mainardi “deixou de adotar diligências prévias mínimas que visassem afastar dúvidas sérias acerca da veracidade das informações que foram repassadas”, a Primeira Câmara Cível do TJ-ES reformulou a sentença de primeiro grau que isentava o jornalista de responsabilidade na indenização a ser paga a Martins. Reduziu ainda em R$ 30 mil o montante que a editora e o jornalista deverão pagar a título de danos morais, a Martins, sua esposa e sócia, Josenia Bourguignon Seabra e à empresa do casal, Análise Consultoria e Desenvolvimento Ltda. Agora Martins deverá receber R$ 50 mil, sua mulher R$ 15 mil e a empresa R$ 5 mil.
As notas atacando Martins foram publicadas em 5 e 11 de abril de 2009. Noticiavam uma suposta Operação Royalties, da Polícia Federal, que investigaria o então diretor da ANP, em torno do pagamento de royalties de petróleo para prefeituras municipais. Acusava-o de cobrar propina de R$ 260 mil através da sua empresa. Em abril de 2012 o já ex-diretor da ANP ingressou com ação na 8ª Vara Cível de Vitória (ES), cidade onde reside. A sentença do juiz Manoel Cruz Doval foi dada seis anos depois, em março de 2018. A Editora Abril recorreu para anular a decisão. Martins apelou para que Mainardi também fosse condenado.
Na decisão de primeira instância Doval registrou que “da leitura da prova documental produzida, em especial do Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI da Petrobrás) constituída para apurar denúncias de irregularidades envolvendo a empresa Petróleo Brasileiro S/A (PETROBRAS) e a Agência Nacional de Petróleo (ANP) (…) o que se pode afirmar, verdadeiramente é que: nunca existiu nenhuma “Operação Royalties” e nem que o Requerente Victor de Souza Martins tenha sido direta ou indiretamente investigado” (grifo do original). E acrescentou:
“Pode-se concluir, além de qualquer dúvida, que os Requerentes foram envolvidos em narrativa jornalística que lhes macularam a honra subjetiva e objetiva e que lhes causaram danos suscetíveis de reparação civil.”
A sentença inicial ainda determinou à Veja que o artigo de Mainardi fosse retirado do site e a revista publicasse uma retratação. Decisões também anuladas pela Câmara Cível que entendeu que o pedido para que a falsa notícia fosse retirada do site não constava na inicial da ação. Para o relator a decisão do juiz fere julgado do Supremo Tribunal Federal. Citando a famosa Ação Direta de Preceito Fundamental (ADPF) nº 130 – na qual o STF entendeu que a Lei de Imprensa perdeu a validade com a Constituição de 1988. Lembrou que aquela corte, na decisão, rejeitou qualquer forma de censura judicial. Nesse sentido, o desembargador Rezende Lima expôs:
“(…) tem-se que a referida pretensão violaria a jurisprudência constitucional firmada acerca da matéria, segundo a qual ordem judicial neste sentido consubstanciaria afronta à decisão proferida pelo Excelso Supremo Tribunal Federal na paradigmática ADPF nº 130.”
A revista, porém, retirou as colunas do site. Não publicou, porém, nenhum desmentido ou retratação. Certamente ainda deverá recorrer da decisão do TJ-ES, só tornada pública na quinta-feira (03/12).
Quanto à retratação, os desembargadores entenderam que por conta da edição da Lei nº. 13.188, em 2015 – portanto, três anos após proposta a ação – o prazo para que o direito de resposta fosse ajuizado, seguindo a nova legislação, seria de dois anos. Portanto, estava vencido quando Martins e seus advogados recorreram ao judiciário.
O alvo era Franklin, ministro de Lula
Mainardi escreveu a notícia contra Victor na expectativa de também atingir Franklin. Respaldou-se em documento apócrifo que lhe chegou às mãos e sequer se preocupou em checar, como ele próprio despois confessaria. O documento continha, inclusive, dados sigilosos, como informações da Receita Federal sobre Victor e seus familiares, além de transcrições de grampos ilegais, feitos no ramal utilizado pelo então diretor da ANP.
Esse documento, confirme denúncia protocolada posteriormente (2009) na Justiça Federal pelo então procurador da República, Marcelo Freire (hoje procurador regional da República) teria sido de autoria do agente de Polícia Federal aposentado Wilson Ferreira Pinna, que durante anos ocupou o cargo de assistente administrativo junto à Assessoria de Inteligência da ANP. O policial aposentado, porém, foi inocentado pelo juiz da 2ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, Gustavo Pontes Mazzocchi, conforme noticiamos à época na revista eletrônica Consultor Jurídico – Dossiê dos Royalties: Justiça absolve acusado de vazar dados sigilosos.
A questão é que Mainardi deu divulgação ao documento apócrifo sem apurar sua veracidade. Publicou mentiras. Tanto que, no seu voto, o desembargador relator da Apelação no TJ-ES destacou não ter vislumbrado, por parte do jornalista, “quaisquer diligências que pudessem: (a) afastar dúvidas sérias acerca da informação veiculada e (b) garantir o contraditório mediante oportunidade de manifestação aos citados”.
Na realidade, nada existia contra Martins, tanto que sequer foi instaurado Inquérito Policial que justificasse a notícia de que ele estava sendo investigado. O que ficou comprovado foi que houve uma armação contra o mesmo. Armação que ganhou destaque em toda a mídia – a partir da falsa notícia de Mainardi – em um período em que o objetivo dos meios de comunicação era atingir o governo de Lula. No caso, através do irmão de Victor, Franklin, ministro de Lula.
A inexistência de investigação foi destacada pelo desembargador relator:
“Acaso ao menos existisse o inquérito policial em que fossem investigados os crimes de corrupção atribuídos ao Autor VICTOR DE SOUZA MARTINS, não teria dúvida em afastar a responsabilização que se pretende atribuir aos Réus, haja vista que a notícia de fatos relativos a agentes públicos, notadamente quando ocupam altos cargos da Administração Pública, seja na esfera federal, estadual ou municipal, são impregnados de inegável interesse da coletividade.
Neste contexto, tenho por presente a responsabilidade do jornalista DIOGO BRISO MAINARDI, devendo a sentença vergastada ser reformada neste particular a fim de que ambos os Réus respondam pela obrigação de indenizar imposta, de forma solidária, à luz, inclusive, da orientação firmada no enunciado nº 221, da Súmula de Jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação”.
“Intenção de destruir a reputação das pessoas”
Já o desembargador Fábio Clem de Oliveira, ao se pronunciar acatando a posição do relator, fez menção a um vídeo anexado ao processo no qual Mainardi, ao ser entrevistado no “Roda Viva”, da TV Cultura, se intitulou “um vagabundo, que não sai de casa e não apura absolutamente nada que publica, sobretudo se isso for contra alguém por quem ele não tenha apreço”. No programa referia-se a publicações feitas contra um membro do Governo e que atingiria diretamente o presidente Lula.
Clem de Oliveira levou em conta “o antagonismo inconciliável entre o que professa o conceituado jornalista Diogo Briso Mainardi e as pessoas atingidas pela matéria divulgada, como se constata de suas declarações em entrevista constante do vídeo anexado ao processo, impedem que se lhe conceda até mesmo o benefício da dúvida em relação à sua verdadeira intenção de destruir a reputação das pessoas por ele citadas.
Como a essência do regime democrático repousa na divergência respeitosa às opiniões com as quais não concordamos, principalmente quando tratamos de pessoas que ocupam cargos públicos, se houver opiniões divergentes acerca da conduta dolosa do insigne jornalista Diogo Briso Mainardi, e é natural que haja, o fato é que a prova produzida, no mínimo, demonstra que ele negligenciou ao não apurar a veracidade dos fatos que divulgou e, portanto, pelos danos deles decorrentes há de responder civilmente por assumir o risco de divulgar notícia não verdadeira.”
Indo além, o desembargador explicou ser impossível condenar a editora Abril, sem que também o jornalista responsável pela notícia fosse condenado: “Aliás, em minha percepção, Diogo Briso Mainardi é o principal responsável pelos danos causados às pessoas atingidas na hipótese dos autos, pois sem que se reconheça a ilicitude de sua conduta, seria até um contrassenso responsabilizar a empresa Abril Comunicações S.A..”