Uma mulher de 20 anos foi agredida em Pernambuco pela companheira de seu ginecologista, que reproduziu irretocavelmente o papel de “esposa”, as mulheres que oprimiam outras mulheres na série “O Conto da Aia” (“The Handmaids Tale”).
Amanda Oliveira havia procurado o médico para um exame ginecológico em Jaboatão dos Guararapes, na grande Recife. A cena, filmada pela vítima, mostra a esposa do ginecologista agredindo Amanda, que denunciou o caso, agora investigado pela Polícia Civil com suspeita de lesão corporal (o que, convenhamos, deveria ser o mínimo).
O vídeo que comprova as agressões mostra a esposa do médico insultando a vítima e mandando que ela se vestisse e saísse dali (sem realizar o exame pelo qual havia pagado).
Começou dizendo que Amanda “não deveria ter ido de calça, e sim de saia”, e que ela “não tinha modos”, mas partiu para a porrada quando a vítima se negou a aceitar o tratamento humilhante que lhe estava sendo dado.
Isso está errado de tantas formas que não sei por onde começar.
Primeiro: por que a esposa do médico estava na sala de exames, à revelia da paciente, que afirmou categoricamente que a presença da mulher a estava constrangendo? Segundo: Se a mulher carrega esse ciúme doentio do marido, por que a vítima foi a paciente, e não o próprio homem?
Como uma clínica permite que alguém que não trabalha lá permaneça na sala de exames como uma patética controladora do comportamento do marido?
Receio não ter resposta para essas perguntas, mas arrisco um palpite: é claro que a competitividade feminina é uma arma do patriarcado para gerar desunião entre as mulheres e subjugar a todas com mais facilidade, mas não seria errado dizer que este caso é uma prova cabal da existência de mulheres que sentem prazer em oprimir outras mulheres, sejam quais forem as razões – em geral ligadas a um homem.
Ser uma mulher jovem e bonita é dificílimo quando você topa com uma criatura dessas na vida. Dessas mulheres que só conseguem enxergar a si mesmas comparando-se com outras mulheres, e tomando-as, na grande maioria das vezes, como rivais.
Em que pese o fato de a competição masculina ser a reprodução de um machismo que não parte originalmente das mulheres, é impossível relativizar agressões de mulheres contra mulheres, sejam elas verbais ou físicas.
Assim como as “esposas” no Conto da Aia, há mulheres que fazem questão de auxiliarem o patriarcado na tarefa – sempre cumprida com maestria – de dominar outras mulheres.
Na série, as “esposas” assistiam os estupros cometidos contra as aias, tão mulheres quanto elas. O patriarcado fez com que as esposas se acreditassem superiores às aias, verdadeira operárias de reprodução na narrativa, quando, na verdade, todas as mulheres eram, de alguma forma, violentadas.
As esposas existem na vida real quando não conseguem controlar suas inseguranças e acabam por descontar isso em outras mulheres, como se fossem elas o problema, e não o comportamento inadequado de seus maridos.
Então, sim, é preciso dizer que a sororidade tem camadas que ainda estamos longe de reconhecer. Não há sororidade que dê conta de defender uma mulher que agrediu outra por ciúme e insegurança. Não há sororidade para uma mulher tóxica que, além de vigiar o marido como a um criminoso, agride outra mulher sem qualquer razão alheia à sua própria esquizofrenia.
É preciso – e muito! – que essa esposa (no pior dos sentidos) seja devidamente punida, assim como a clínica.
Toda a minha solidariedade à Amanda e a nós, mulheres solteiras que só querem ser deixadas em paz.
E para a turma das esposas, há apenas uma coisa a ser dita: parem de agir com se toda mulher quisesse roubar o seu alecrim dourado – nem todo mundo deseja esse seu marido feio, meu anjo.
VIOLÊNCIA | Esposa de ginecologista agride paciente durante consulta em clínica popular em Prazeres, Jaboatão dos Guararapes. pic.twitter.com/Zxv8JSBB7L
— LeiaJa.com (@LeiaJaOnline) October 31, 2023
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