Dessa vez foi Pedro Guimarães, presidente da Caixa Econômica Federal – e que assumiu o cargo, é bom dizer, no Governo Bolsonaro – ser denunciado por várias funcionárias assediadas.
A proximidade entre Guimarães e Bozo nunca foi segredo: eram frequentes suas aparições nas tradicionais lives de quinta-feira do presidente, que usa as redes sociais para conduzir seu gado. Para além disso, acompanhava Bolsonaro em solenidades e fez-se tão popular ao integrar o governo que já se preparava para uma possível candidatura a senador.
Quero dizer que o presidente assediador é, portanto, um bolsonarista confesso, o que em nada nos surpreende.
Há entretanto uma linha muito tênue entre não surpreender-se (porque, afinal, estamos no Brasil), e normalizar o que deve ser combatido. Ou seja: é comum, mas não deve ser normal que mulheres não possam trabalhar em paz, sem serem importunadas por seus chefes poderosos e inescrupulosos.
Eis que o Jornal Metrópoles recolheu relatos de mulheres assediadas pelo bolsonarista e deu início a uma onda de denúncias que pode – ao menos se ainda nos restar qualquer dignidade – ser um problema na vida política de Pedro Guimarães (ou não).
As vítimas – que não tiveram a identidade revelada, por razões óbvias – relataram as situações em que se sentiram abusadas pelo chefe. “Estou com vontade de você” foi o que ouviu uma delas do presidente da Caixa.
Uma das vítimas relatou que, a depender do nível de intimidade com a funcionária, Pedro sente-se o “dono” dela. “É comum ele pegar na cintura, pegar no pescoço. Já aconteceu comigo e com várias colegas”, diz. “Ele trata as mulheres que estão perto como se fossem dele.”
E isso ainda não é tudo: foram relatados toques íntimos não autorizados, outras abordagens inadequadas e convites que iam muito além da relação chefe-empregado (ainda mais em se tratando do presidente do maior banco público do Brasil), como por exemplo: “Você gosta de ir à sauna?” ou ainda “Tome um banho e venha aqui pra a gente conversar”.
Os assédios – e quem sabe se não abusos – eram cometidos principalmente durante viagens a trabalho, que sempre incluíam funcionárias e por algum motivo aconteciam aos finais de semana. Aparentemente, viagens inventadas sob o pretexto de “dar mais visibilidade ao banco”, mas que serviam para a diversão de Pedro Guimarães e seus chegados, aqueles “da diretoria”.
“Mulher bonita é sempre escolhida pra viajar”, ele dizia, referindo-se às mulheres que chamava de “discos voadores”, aquelas que eram coagidas a participar das tais viagens ‘a trabalho’ para serem a diversão dos chefes.
Um verdadeiro escândalo com dinheiro público.
Tudo isso é tão esdrúxulo e sórdido que não parece real. Pedro Guimarães lembra um personagem burlesco de filme, o machão que precisa se sentir dono das mulheres porque é viciado em sexo e poder.
Para além da objetificação desses corpos femininos – assunto sobre o qual já escrevi muito (muito mesmo) dentro e fora do DCM, interessa mais, nesse escândalo, dizer que homens como Pedro Guimarães são espécimes comuns em Brasília.
Não é à toa que o Distrito Federal tem mais prostitutas de luxo do que viadutos. São elas que são convidadas para as festinhas promovidas pelos poderosos.
O que o presidente da Caixa traz de “inovador” é comer a carne onde ganha o pão, transformando trabalhadoras em objetos sexuais prontos a satisfazerem seus desejos – o que torna tudo muito mais podre e, é claro, duplamente criminoso.
Não bastasse tudo o que as mulheres sofrem no mercado de trabalho – ainda ganhando 30% a menos para exercerem a mesma função de um homem – vira e mexe a gente se bate com um Pedro Guimarães. Um cara que nos vê como a picanha gourmet que ele come no almoço, que não nos enxerga para além de nossos corpos e se sente no direito de colonizá-los.
Nesse caso, porém, além de cometer abusos permanentes com suas funcionárias – ou quem sabe apenas com “as mais bonitas” – ele o faz com dinheiro público, e isso é seríssimo.
Publicados os relatos – gravíssimos, ressalte-se – agora é a vez de o Ministério Público Federal investigar o caso, o que já está sendo feito. Esse não pode ser apenas mais um caso de assédio engavetado.
A previsão era que, afastado o presidente assediador, assumisse o seu braço direito, Celso Leonardo Barbosa.
E, adivinhem? As funcionárias também o temiam, e pela mesma razão pela qual temiam Pedro Guimarães. As trabalhadoras – que corajosamente quebraram o silêncio – revelarão outros assédios partindo de outros executivos da empresa (certamente também de Celso Leonardo).
Nada novo sob o sol: em um país como o Brasil, no nosso nível de atraso patriarcal, poucos homens em uma posição de poder não assediarão em algum grau suas funcionárias, porque a questão, como temos dito, é estrutural.
Quem sabe para conter essas novas denúncias – ou simplesmente porque é ano eleitoral – Bolsonaro indicou uma mulher para o cargo. Segundo a Revista Exame, a indicação de Daniella Marques, braço direito de Paulo Guedes, será oficializada amanhã (29).
A decisão pode até confortar as mulheres que passaram por essas situações horrendas, mas uma mulher bolsonarista no controle não significa necessariamente que a empresa investirá em políticas afirmativas para a proteção das trabalhadoras contra esse tipo de violência, muito menos em se tratando do braço direito de Paulo Guedes.
Substituir Pedro Guimarães não basta, nem mesmo substituí-lo por uma mulher: enquanto houver um energúmeno na cadeira da presidência, jamais – em nenhuma hipótese – as minorias terão paz.