Toffoli e a transformação de Renato Russo e Legião em trilha sonora do golpe e da coxinhice. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 21 de setembro de 2018 às 7:57

https://www.youtube.com/watch?v=lQCkTEg1RKA

Em seu discurso de posse na presidência do STF, Dias Toffoli disse que o Brasil não está “em crise”, mas “em transformação”.

“O futuro não é mais como era antigamente”, falou, citando Renato Russo na música “Índios”.

Um vídeo da cerimônia de entronização circulou com o ministro massacrando “Tempo Perdido” ao microfone, cercado de puxa sacos, enquanto a banda do evento tenta lidar com os escombros da melodia.

O caso de Toffoli é apenas um entre vários exemplos de que Renato e a Legião Urbana viraram queridos do establishment e do que o amigo Cazuza chamava de “gente careta e covarde”.

Se houve uma canção que virou símbolo da coxinhice é a insuportável “Que País É Esse”, que está completando 40 anos.

Foi entoada com força e com vontade nos protestos pelo impeachment por milhares de cidadãos de bem e incorporada ao repertório do Capital Inicial, o grupo que mais soube faturar com o momento estúpido e o proselitismo da letra.

Em 2016, o vocalista Dinho Ouro Preto dedicou-a a Sergio Moro, que assistia a um show em Curitiba num balcão VIP.

O juiz Marcelo Bretas, da Lava Jato do Rio, é fã e usa o Twitter para compartilhar seus hits preferidos de RR, quando não está publicando versículos da Bíblia.

Estaria Renato de acordo com o uso que estão fazendo de sua obra? Cadê os herdeiros?

Os legionários remanescentes, o guitarrista e o baterista, desde sempre desprovidos de talento, seguem ganhando dinheiro com o trabalho do parceiro morto.

É absurdo cravar que Renato estaria à esquerda, à direita, ao centro, acima ou abaixo se vivo estivesse.

Veja o caso de Lobão: houvesse abotoado o paletó de madeira há dez anos, sua última fotografia seria aquela com o boné do MST.

“Que País é Esse?” é um hit de protesto que casou com a diluição coxa. É tudo meio genérico.

“Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado” etc. Contém aquele elemento de autodesprezo nacional infantiloide característico do rock dos anos 80: “Terceiro Mundo se for, piada no exterior”. 

Foi composta em 1978, quando Renato era membro do Aborto Elétrico, que tinha entre seus membros dois músicos do Capital.

Por que agora seria OK coloca-la a serviço desse pessoal e dessa agenda? Cadê os herdeiros, repito?

Neil Young proibiu Donald Trump de utilizar “Keep On Rocking in The Free World” nos comícios.

Há vinte anos, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr processaram a Nike pela utilização não autorizada de “Revolution” em uma campanha publicitária (hoje considerada clássica).

Pobre Renato Russo. Que país é esse? Como responde aquele corinho, é a porra do Brasil.