Publicado originalmente no “ConJur”
Atenção: falarei do Homem Comum (homem, aqui, significa pessoa). Portanto, não preciso dizer que onde está escrito Homem Comum, leia-se espécie humana. E não preciso falar de Mulher Comum. Assim também é quando falo em analfabeto. Isto é, leia-se, também, analfabeta. E assim por diante.
Ao trabalho.
Quem é o homem comum?[1] O atual analfabeto funcional é o estágio fundamental para o homem comum de outra espécie: o homem comum do direito (HCD de agora em diante). Um passo para a psicopatia epistemológica (ver aqui e ver aqui)
Hoje vivemos o ápice de uma forma social individualista. O que não é fácil, pois cada um tem que inventar uma vida e uma identidade para si (podemos chamar a isso de “perfil nas redes”!). O HCD e o HCC (homem comum comum) já não aceitam a hierarquia de idade e agora são anticiência, anti-qualquer-coisa.
Pois no Direito, o lidador, o operador, identifica-se com o comum. Por isso é um lidador comum. Não lê nada que não seja comum. E de preferência curtinho. E que esteja nas redes.
Contenta-se com o menos. Aderiu ao ChatGPT. Dá cursos sobre como “lacrar com ChatGPT“. Paga para fazer “lives”. Espalha “memes”. Quer “ensinar” direito com inteligência artificial (incrível isso, não?), sem que, para isso, tenha qualquer inteligência não-artificial. Ele atua em vários campos. Tem espírito vingativo. É raivoso. Não suspende seus pré-juízos. Se não gosta do réu ou da parte, decide assim mesmo. Não se dá por suspeito. E ainda mete 20% de honorários. Contra quem tem raiva. E sai contando que é isento. O HCD é “isento”. Com muitas aspas.
O HCD e de outras áreas é o canário do conto de Machado. Ele fala e diz que o mundo é…um brechó…onde ele, o canário, é o dono de tudo. Machado genial. Profeta. Ele catalogou o HCD. O HCC e o HCD também estão presentes no conto Teoria do Medalhão (ler aqui).
Ele tem as redes sociais para buscar seus iguais. Assim, faz triunfar a anticiência. Mesmo que para isso use a ciência…! Busca o simples. O senso comum.
Esses novos personagens copiam, imitam, colam. Bricolagem epistêmica. Abrem o Google e, pronto, o livro novo está a caminho. E agora tem o vigarista do ChatGPT que põe o mundo à disposição, sem citar a fonte. Bom, o HCD também não cita a fonte. Então, por que o ChatGPT o faria?
Isso explica o sucesso desse “novo mundo do direito”, o admirável mundo novo do HCD; algo como Seja F— em Direito, Direito Tuitado, Mastigado e, agora, o novo: Direito Desenhado, ao que vi por aí. Mas não é só. Não esqueçamos que existem os livros que comentam o óbvio, algo como “agressão atual… é a que está acontecendo”. E vai por aí.
O HCD sofre de alienopatia. O HCD não sabe o que isso significa…
Viva o simples. O HCD sai da toca. O triunfo vem com a autoajuda no Direito. O HCD vem com manual de instrução. Basta plugar na tomada. Você pode, berra o professor coach.
Por vezes, o HCD mostra certa erudição. Passa um glacê. Tira frases prontas do Google. Como citar Pontes de Miranda em discurso de formatura. O HCD confunde garantismo com textualismo. Ou garantismo com marxismo.
Pior: os lidadores comuns do direito, filiados à Comunidade dos HCD, já são maioria. Eles venceram. São vencedores. Eles são f— em Direito (sim, isso existe).
E depois nos queixamos. O homem comum, o lidador comum, vende petições pré-elaboradas. Parafraseia decisões de prisões preventivas.
O HCD é negacionista. Ele nega até mesmo a existência do HCD. O HCD não aceita nada para além de um empirismo mequetrefe. E o HCD não sabe o que é empirismo mequetrefe.
O Homem Comum já venceu. E as palavras já morreram. Foram substituídas por emojis.
O HCD — nos seus diversos níveis (porque existem na comunidade dos homens comuns do direito várias classes: A, B, C…). O HCD odeia epistemologia. O HCD não sabe o que é epistemologia.
O mundo é um brechó. Um brechó com ChatGPT e robôs, esses que derrubam nossos recursos, verdadeiros snipers epistêmicos, formando grupos de extermínio recursal.
Parafraseando Mário Corso, o HCD não quer saber de sabichões de livros, de cientistas do direito e de suas falas complexas, ele prefere os seus coetâneos que estão no YouTube ensinando o certo de que lhe convém.
O HCD gosta do direito sem as partes chatas. Eis aí a solução. O que sempre atrapalhou o direito até hoje foram as partes chatas e difíceis.
Eu me sinto um chato. Viva a chatice! A chatice epistemológica!
Vem aí o NHCD (Novo Homem Comum do Direito). Que se mimetiza. Com ChatGPT e quejandices da inteligência artificial. Agora 4.0. Tiktokeado.
Minha receita: sejamos chatos! Murrinhas.
A falta das leituras das partes difíceis e chatas do Direito deu nisso que está aí. Na estagiariocracia. Na assessocracia.
Sabem o que é chato para o Homem Comum do Direito? Garantias processuais-constitucionais. Para o HCD, são filigranas…! São como vacinas para negacionistas.
O negacionismo epistemológico é como o negacionismo médico.
No meio de tudo isso, criam-se personagens como Tony Garcia. Claro: o Direito brasileiro está no patamar em que está porque houve um imenso esforço. Muito trabalho. É só passar os olhos nos diálogos da Operação Spoofing. E ver o que a turma do fundão da classe é capaz de fazer. E assistir, de novo, a entrevista do Tony Garcia: o produto final, esculpido em carrara, da (CCD) Civilização Comum do Direito.
Knok knok knok: quem é? É o homem comum. Veio para ficar. E infernizar a sua vida. Com ele vêm os seus coetâneos: o homem comum do direito, da medicina, da política etc. Preencha você mesmo.
Como disse Tonto para Zorro, ao ver os indígenas se aproximando: “eles são muitos”.