Publicado no blog do Marcelo Auler
Para quem imaginava que o trágico episódio com o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier de Olivo – que se suicidou após ser levado preso sem que nenhum crime tivesse cometido – fosse ser um divisor de águas na forma da Polícia Federal agir, o desmentido surgiu rapidamente.
A mesma truculência – criada a partir da Operação Lava Jato – de conduções coercitivas que mais se assemelham a “prisões”. Levam pessoas investigadas sigilosamente, sem que nenhuma delas tivesse sido convocada a prestar esclarecimento, repetiu-se no início da manhã desta quarta-feira (06/12/17), em Belo Horizonte.
A Polícia Federal conduziu coercitivamente – sem jamais tê-los intimados a depor – seis pessoas ligadas à Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG: o atual reitor Jaime Arturo Ramírez, sua vice, mais votada na lista tríplice para o próximo quadriênio, Sandra Goulart Almeida, e as ex-vice-reitoras, Heloísa Murgel Starling (2006-2010) e Rocksane de Carvalho Norton (2010/2014). Foram conduzidos ainda o presidente da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), professor Alfredo Gontijo e a assessora da reitoria Silvana Cozer – uma das responsáveis no Memorial da Anistia.
Entre os investigados está ainda o ex-reitor da UFMG (2010/2014) e ex-ministro de Ciência e Tecnologia (2014/15) no governo Dilma Rousseff, Clélio Campolina Diniz. Ele só não foi conduzido coercitivamente por ser um septuagenário. A operação sequer respeitou o atual reitor que recentemente se afastou das funções para o tratamento de grave enfermidade. A doença não lhe permitiu concorrer à reeleição.
A prática de levar coercitivamente pessoas jamais intimadas a depor, ao que parece, institui-se no país diante da omissão do Supremo Tribunal Federal (STF). Com ela, faz-se letra morta também o preceito constitucional de que toda pessoa é considerada inocente até o transito em julgado de sua sentença.
A única diferença para o período da ditadura é que atualmente essas conduções são feitas com ordem judicial. Mais ainda, em suas residências os “alvos” foram impedidos de usar os telefones e chamarem seus advogados, o que desrespeita todas as normas legais de uma prisão, logo, também das conduções coercitivas.
Curiosamente, alguns dos “alvos” da operação desta quarta-feira já prestaram esclarecimentos tanto à Controladoria Geral da união como ao próprio Ministério Público Federal (MPF) sem a necessidade de qualquer condução coercitiva.
Na porta da Superintendência, policiais fortemente armados faziam guarda como se esperassem uma invasão pelo público que se juntou para protestar contra a operação. Alguns dos manifestantes que atingiram o saguão de entrada da Superintendência foram retirados do prédio. Mas, pelo menos uma pessoa, com camiseta apoiando a Polícia Federal pode permanecer onde estava.
Todos foram libertados – sim, este é o termo para quem não esteve na polícia por conta e vontade própria atendendo a intimações não feitas anteriormente – até o início da tarde. Mas, ainda que houvesse uma saída pelos fundos do prédio, que permitira preservá-los. Os “conduzidos”, porém, acabaram sendo induzidos a sair pela frente onde ficaram expostos a fotógrafos e cinegrafistas. Como registra o vídeo acima do reitor Jaime deixando a SR/DPF/MG.
A condução da vice-reitora Sandra poderá servir de pretexto ao ministério da Educação na hora da indicação do nome do próximo reitor para a nomeação pela presidência da República.
O que se questiona não é a investigação de um possível desvio que a nota da Polícia Federal diz ser de quase R$ 4 milhões (de um total de R$ 19 milhões já gastos) do dinheiro destinado à construção do Memorial da Anistia Política do Brasil, financiado pelo Ministério da Justiça e executado pela UFMG.
Dizem os policiais que ocorreram fraudes em pagamentos realizados pela Fundep, contratada para pesquisas de conteúdo e produção de material para a exposição do memorial.
O problema é a forma com que se passou a adotar nessas investigações, tratando a todos nem mais como suspeitos, mas como se criminosos fossem.
Como lembrou o deputado estadual de Minas Rogério Correia, na entrevista à tarde na Assembleia Legislativa, nem no caso da Samarco, onde houve crime, não houve condução coercitiva de nenhum dos envolvidos.
Além de nenhum deles ter sido intimado, como manda a lei, usaram 101 homens – 84 policiais federais, 15 auditores da Controladoria Geral da União (CGU) e dois do Tribunal de Contas da União (TCU) – para oito conduções coercitivas e 11 mandados de busca e apreensão. Uma média de mais de 5 homens para cada uma das ações, sendo que muitas das buscas devem ter sido feitas nas residências dos próprios conduzidos, nenhum deles marginal violento.
Ou a Polícia Federal já não é mais a mesma e precisa de tantos homens para conduzir poucas pessoas que jamais reagiriam com violência, ou simplesmente estamos diante de mais um exemplo de extravagância e exibicionismo.
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