PUBLICADO NO BRASIL DE FATO
POR CATARINA BARBOSA
Há um ano, as praias do Nordeste foram tomadas por cinco mil toneladas de óleo. Um ano depois, a Marinha do Brasil finalizou a primeira etapa da investigação, mas não chegou a nenhuma conclusão sobre os possíveis responsáveis pela tragédia ambiental.
De acordo com o Centro de Comunicação Social da Marinha, “a investigação confirmou que o óleo é de origem venezuelana, o que não significa que ele tenha sido lançado por navios ou empresas daquele país”.
O dano chegou a nove estados do Nordeste e dois do Sudeste – Rio de Janeiro e Espírito Santo. O número de municípios atingidos é superior a 130.
O inquérito aponta que o petróleo foi derramado a 700 km da costa brasileira e trafegou submerso por 40 dias. O relatório final da Marinha – responsável pelas investigações – foi encaminhado, na última segunda-feira (24), para a Polícia Federal (PF), que conduz o inquérito criminal.
A PF informou que a investigação continua e que só vai se pronunciar quando os trabalhos forem concluídos. A investigação segue, no entanto, em sigilo.
O modelo Bolsonaro
Para o sociólogo Cristiano Ramalho, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro do Comitê UFPE SOS Mar, a ausência de respostas efetivas no caso do derramamento de óleo compõe um modus operandis do governo federal, tanto para casos de impactos ambientais, e socioambientais, como também para questões de saúde.
Ele explica que esse modo tem três ações básicas para o funcionamento: negar ou minimizar o fato, acusar grupos considerados antagônicos ao que o governo acredita e, a terceira, é negar o que diz a ciência.
“Embora isso possa parecer para alguns algo de profunda incompetência administrativa, no caso da tragédia do petróleo, o governo federal só veio agir muito tardiamente. Além disso, o governo só acionou – muito parcialmente –, o plano que existia para o enfrentamento de tragédias como essa do petróleo. É possível colocar, como hipótese, que isso seja uma ação planejada, dada a semelhança desses aspectos”, diz ele.
Segundo a análise de Ramalho, as tragédias ambientais são, então, vistas como uma forma de “eliminar” o que o governo considera como “atrasado”, nesse caso o modo de vida dos pescadores artesanais.
“A não ação significa, na verdade, uma ação deliberada para que essas tragédias possam realmente impactar. Especialmente, nos casos dos incêndios na Amazônia e da tragédia do petróleo, pois os grupos afetados são tidos como ‘sem importância’ pelo governo federal”, diz ele.
Voluntários retiram óleo na praia de Itapuama, na cidade de Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco. / Leo Malafaia/AFP
A perda da autonomia
O vazamento de óleo matou animais marinhos, poluiu praias e prejudicou mais de 300 mil pescadores. A pescadora Maria Vale, mora no Ceará, na Comunidade de Jardim Fortim, onde vivem cerca de 600 pessoas. Ela é uma das muitas pessoas afetadas pelo derramamento de óleo, ocorrido no dia 30 de agosto de 2019, e conta que a situação dela e de outros pescadores não é muito diferente do que era há um ano.
“Não tivemos mais venda do nosso marisco, do nosso peixe. Tudo ficou ou ainda continua muito difícil. Nós, mulheres, perdemos ou estamos perdendo a nossa autonomia financeira, pois não temos mais a nossa renda, já que não temos o peixe e o marisco para vender. Assim, não temos acesso a um dinheiro nosso”, diz ela.
Dona Maria afirma que o único apoio que eles tiveram, na comunidade, foi das ONGs locais, que contribuíram com ações de solidariedade. No entanto, desde o aparecimento das primeiras manchas, nenhum apoio foi fornecido por parte do governo federal. “Os benefícios chegaram para uma minoria de trabalhadores. Nós não tivemos acesso”, conta ela.
A queda de 80% na renda
O rio Jaguaribe, de onde Dona Maria tirava seu sustento, alimentava ela e mais nove pessoas. Dos 600 moradores da comunidade, cerca de 450 foram diretamente atingidos. O restante não vive, exclusivamente, da pesca. Ela conseguia entre 800 e 1.000 reais por mês, com a venda de peixes e mariscos, antes do crime ambiental. Agora, consegue, no máximo, 100 reais.
“Para você ter uma ideia de como não está fácil. Como é difícil para a gente ver os nossos filhos sem ter alimento. Amanhecer o dia e a gente não ter o que dar como café da manhã, não ter uma merenda. Não é fácil, porque muitas de nós somos mães e pais dos nossos filhos. Nós que cuidávamos da casa em todos os sentidos e, hoje, precisamos de ajuda até mesmo para nos alimentar”, lamenta.
Sobre o futuro, Dona Maria diz que acredita na força da sua comunidade em resistir e quanto ao governos federal e local, sente que eles não dão a devida atenção ao que ocorreu.
“Esse nosso governo faz de conta que isso não foi nada. Esse foi um dos maiores crimes ambientais que eu já vi acontecer na minha vida e os governos não estão nem aí para a gente, como se fôssemos nada. Mas eles sabem que somos nós pescadores que colocamos 70% do pescado fresco na mesa do brasileiro, ainda assim, eles não vão fazer nada . Quem precisa fazer algo pela gente somos nós mesmos”.
Os impactos
Gilberto Rodrigues, professor de ecologia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador do Laboratório de Avaliação, Recuperação e Restauração de Ecossistemas Aquáticos, reforça que esse foi o maior impacto ambiental, por derramamento de óleo, causado no Brasil em termos de extensão.
“Essas manchas atingiram desde o Sudeste, no Espírito Santo, Rio de Janeiro se estendendo até o Nordeste brasileiro. Os prejuízos ambientais são muitos: teve uma expressão muito grande nos estuários, nos rios, nos manguezais, nas praias, nos corais de recifes. Essas manchas chagaram a comprometer muitos desses ecossistemas, a saúde das pessoas que vivem nesses ambientes costeiros também foi impactada, porque foi alarmante o número de pessoas que tiveram contato com esse óleo”, diz ele.
Rodrigues destaca que os impactos socioeconômicos são sentidos até os dias atuais entre os pescadores artesanais, principalmente, os de Pernambuco, da Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e Bahia, onde muitas pessoas dependem da atividade. Para além disso, ele afirma que o caso se agravou com a pandemia do novo coronavírus.
“A Covid fez com que essas populações, que já tinham sido atingidas, que já vinham sido acometidas por esse grande dano ambiental passassem por situações ainda mais paupérrimas. Um dos maiores prejuízos que temos para a costa do Brasil foi, na verdade, a falta de comprometimento do governo federal em não ter acionado o plano de contingência que prevê esse derramamento de óleo no litoral brasileiro. Se não tivesse ocorrido essa falha do governo federal, a gente poderia ter minimizado muito esses impactos”.
Em nota, no portal da Marinha, a instituição afirma que “o episódio do derramamento só reitera, de acordo com a Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM), a necessidade das expertises nacionais unirem-se em torno do melhor conhecimento científico disponível sobre o assunto, ‘para o desenvolvimento de ferramentas que, unidas a um sistema de monitoramento dos navios que transitam nas águas jurisdicionais brasileiras e proximidades, possam impedir ocorrências similares no futuro.”