“O Ato de Matar”, um documentário soberbo sobre a história recente da Indonésia

Atualizado em 19 de janeiro de 2015 às 16:34
Cena de "O Ato de Matar"
Cena de “O Ato de Matar”

 

Um dos melhores documentários políticos já produzidos chama-se “O Ato de Matar”. Concorreu ao Oscar no ano passado. Perdeu injustamente, mas já havia faturado outros 35 prêmios internacionais de renome.

Werner Herzog, o cineasta alemão, documentarista de gênio, afirmou que é o filme mais surreal a assustador que ele já viu em uma década. É um retrato cru da história recente da Indonésia.

O cineasta dinamarquês Joshua Oppenheimer conta a história de Anwar Congo, herói nacional, avô, velhinho de anedota — e chefe de um antigo esquadrão da morte.

Em 1965, depois de um golpe em que o general Suharto destituiu o populista Sukarno, milícias de extrema-direita se dedicaram a perseguir e matar comunistas e imigrantes chineses.

Calcula-se que em torno de 500 mil pessoas foram torturadas e eliminadas entre outubro de 1965 e o início do ano seguinte. Os massacres se espalharam da capital Jakarta até Bali e a ilha de Java. Crianças, mulheres, idosos — ninguém foi poupado.

Os assassinos nunca foram julgados. Aos poucos, foram absorvidos pelos sucessivos governos. O grupo paramilitar Pemuda Pancasila continua na ativa, promovendo festas com a participação de autoridades. Os livros tratam os justiceiros com carinho.

Openheimer fez um filme dentro de um filme. A certa altura, ele sugere a Anwar que faça uma reencenação de seus crimes. Anwar, como seus comparsas, é fã do cinema americano (eles eram chamados de gangsters, apelido que transformaram, numa tradução oportunista, em “homens livres”). Foi em Hollywood que Anwar se inspirou para aprender a estrangular comunistas com fios de arame.

Ele topa o desafio do diretor. O resultado é uma extravagância visual digna de um Cecil B. De Mille pervertido, com cenas no “paraíso” em que vítimas encontram algozes em meio a anjos coloridos, atrás de cachoeiras.

Ao longo da fita, tem-se a impressão de que Anwar adquiriu algo parecido com arrependimento. O simpático ancião precisa de música, dança, bebida e maconha para expiar seus pecados. Um antigo colega o admoesta: “Você está assim porque sua mente é fraca. Isso tudo é apenas um desequilíbrio nervoso”.

Os assassinos jogam golfe e se divertem. Um deles quer que suas memórias também sejam dramatizadas. Ele era criança quando um homem foi arrastado da cama às 3 da manhã. A mulher e os filhos gritavam, desesperados. No dia seguinte, o sujeito foi encontrado ao lado de um barril. A família o enterrou na estrada “como uma cabra”. O homem, eles admite, era seu padrasto. Seu relato não serve para o filme, dizem Anwar e seus colegas da repressão, porque faltava emoção.

“O Ato de Matar” foi proibido no país. “Isto não é apropriado, é sem cabimento. Deve ser lembrado que a Indonésia passou por uma reforma. Muitas coisas mudaram. A percepção das pessoas não devia ser tão influenciada por apenas um filme”, declarou um porta-voz do governo.

Oppenheimer foi acusado de trair a amizade dos personagens. “Quando essa comunidade de sobreviventes me deu autorização para filmar suas justificativas e suas bravatas, eu estava tentando expor a natureza da impunidade”, disse.

O filme está na íntegra aqui.