Um jogo sujo: para entender a Fifa e o futebol, é preciso ler o novo livro de Andrew Jennings

Atualizado em 6 de maio de 2014 às 9:26
jogo sujo - foto 9
Jennings

“Agora que este livro está concluído, vamos aguardar para ver se o FBI vai indiciar os principais membros da família Fifa-Blatter. As investigações do esquadrão do FBI contra o crime organizado, com sede em Nova York, começaram em 2010.”

Assim é o prefácio de “Um jogo cada vez mais sujo”, livro do inglês Andrew Jennings que chegará nas livrarias na próxima segunda-feira (12 de maio).

Jennings investiga a corrupção nas federações desportivas internacionais desde 1988 e, segundo ele próprio, seu acervo de documentos públicos e privados é superior a qualquer entidade do esporte, mídia ou instituição acadêmica.

O livro é uma paulada. Traça as relações incestuosas com a máfia italiana, com a violência carioca e com o jogo do bicho como cenário propício às falcatruas da Fifa. E chega onde quer. Livros-caixa do bicheiro Castor de Andrade apreendidos, continham mais que policiais na lista de propina:

“Havia um nome que todo mundo conhecia. Um homem mundialmente famoso. O generoso Castor de Andrade, o rei do Carnaval, havia presenteado o chefão do futebol mundial com um camarote especial para assistir ao desfile das escolas de samba. Custo: 17.640 dólares. Estava se tornando um estilo de vida para Havelange: receber presentes de figuras duvidosas em troca de favores.”

Se receber presentes não é incriminador em si, Andrew comprova que havia contrapartida. Uma carta datada de 2 de outubro de 1987, momento em que Castor passou a ser alvo de minuciosas investigações dos promotores públicos, foi redigida por Havelange e autorizava Castor de Andrade a utiliza-la da maneira que lhe fosse mais conveniente. O recado era claro: “não mexam com meu amigo, sou o todo poderoso.” E foi por míseros 17 mil dólares lançados numa contabilidade de bicheiro que se iniciou o inferno de Havelange.

Ricardo Teixeira também sai (ainda mais) chamuscado. Seus recebimentos através de empresas-fantasma abertas em Liechtenstein, sobretudo de uma tal Sanud cujo único cliente era o próprio Teixeira, também foram persistentemente investigados.

Um dossiê com uma lista de 175 pagamentos secretos, começando em 1989 e se estendendo pelos 12 anos seguintes demonstra um montante de 100 milhões de dólares em propinas e subornos pagos pela ISL, uma empresa de marketing esportivo parceira da Fifa, em troca da exclusividade em contratos de patrocínio e de direitos de televisão. A ISL foi a responsável pelo primeiro milhão de dólares de Ricardo Teixeira, em agosto de 1992. O ano seguinte foi o ano dos 3 milhões de dólares (em fevereiro, maio e setembro, 1 milhão de dólares de cada vez). E isso quando Teixeira ainda nem era membro do comitê executivo da Fifa.

Descobre-se ainda que Ricardo Teixeira era propritário de vários bares e restaurantes cuja rede só amargava prejuízos “obrigando-o” a tomar dinheiro emprestado por meio de paraísos fiscais no Caribe, que por sua vez recebia da CBF para a realização de eventos ligados aos futebol. Assim uma parte da grana era lavada.

O livro trata também da quase inócua CPI da CBF que pouco ou nada resultou, onde descobriu-se um incêndio no centro de treinamento, a granja Comary, destruindo importantes documentos relativos à história financeira da CBF, incluindo os balancetes e relatórios de contas de 1985 a 1994.

Atira, e acerta, em José Maria Marin, citando o discurso que motivou o assassinato de Vladimir Herzog e como, mesmo com um passado manchado de sangue, e talvez por isso mesmo, Marin tornou-se presidente da CBF. Ivo Herzog levou todo o histórico de Marin em 5 de junho de 2013 ao Comitê de Ética da Fifa, solicitando a Michael Garcia, o ex-procurador de justiça norte-americano contratado pela Fifa para tentar melhorar a imagem de corrupção da entidade. Foi indeferido.

A obra do jornalista explica ainda como funciona o esquema de ingressos no mercado negro gerenciado por gente da própria Fifa (sim, os sorteios são um engodo), as infinitas relações ganha-ganha com diversas empresas, joga dúvidas sobre resultados de partidas e arbitragens em Copas, traz relatos de como a Copa de 2010 na Africa do Sul foi um imenso balcão de negócios escusos e contratos de cartas marcadas. Enfim, leitura obrigatória em tempos atuais.

A Fifa já comunicou a editora que irá processá-la por possível “conteúdo calunioso”. A entidade nunca soube o que é fair play.