P é um jovem brasileiro de 28 anos que está na Líbia.
É amigo de uma amiga minha.
Ele trabalha numa empresa de engenharia que está fazendo obras ali. Mora na capital Trípoli.
Seu relato a amigos dá uma idéia de como a crise se espalhou rapidamente pela Líbia. Na sexta-feira, em email, ele contara que os problemas estavam distantes de Trípoli. Como todo mundo na capital, P continuava a trabalhar normalmente.
Ontem o tom já era diferente.
Trípoli estava em transe.
P tinha dificuldade em usar a internet. Quando conseguia conexão, tinha medo de que suas mensagens pudessem estar sendo rastreadas.
Não há muito nexo neste medo, mas é fácil ficar assustado quando você está por acaso no meio de uma tentativa de revolução.
Razões mesmo para estar preocupado tem Gaddafi. Ele apareceu num vídeo bizarro, com um guarda-chuva, para avisar que ao contrário do que a mídia — “os cachorros”, segundo ele — dizia ele estava na Líbia mesmo e não na Venezuela. Gaddafi está há 40 anos no poder, mas parece mesmo que só topa sair morto do poder.
Uma pausa para o vídeo.
Isso tudo afeta apenas parcialmente P.
P fez um contrato de dois anos. Mas, mesmo antes da revolta, estava arrependido da duração. Como conseguir namorada num lugar em que as mulheres não saem nas ruas?
As estrangeiras poderiam ser uma saída para ele. Mas são poucas. Ele conta que muitas mulheres que como ele foram trabalhar na Líbia desistiram e quebraram o contrato. Elas não podem se arrumar para ir trabalhar, por exemplo. Têm que usar uniforme para evitar confusão. Tampouco podem ir sozinhas a um bar ou restaurante.
A diferença de hábitos é enorme, relata P. Nas casas, as pessoas comem de uma mesma travessa. Com as mãos.
Luz elétrica, nas casas. Nas ruas, poucas. É verdade que com 15 reais você compra 60 litros de gasolina, mas o que você pode fazer com o carro para se divertir lá?
A empresa promete tirar P da Líbia.
É altamente improvável que aconteça alguma coisa ruim com ele. P é brasileiro, não tem nada a ver com os problemas da Líbia. Todo mundo gosta de brasileiros. O Brasil não faz guerras, não quer mandar nos outros.
Em breve P deve estar de volta a sua rotina pacata de engenheiro no Brasil, depois de experimentar a maior aventura de sua vida – uma que ele há de contar para filhos e netos que escutarão o pai e o avô de olhos arregalados.