Pessoas como Glória Maria nascem para inspirar. E a morte dela, na manhã desta quinta-feira (2), deixa toda uma comunidade de pessoas que ela inspirou triste e em choque, pois não sabíamos da luta dela contra o câncer. Mas também com um sentimento de gratidão imenso.
Assim como Pelé, cuja importância para o povo preto eu contei no mês passado, no dia de sua morte, Glória Maria foi poder. Poder de um corpo preto que inspirou outros corpos pretos só por sua presença.
Minha memória infantil é bem feliz, mas eu era filho de pais que não deixavam eu dormi até tarde. Curiosamente, um dos dias que eram exceção era o domingo. E lá, na minha TV, estava uma mulher preta, altiva, que falava muito bem e apresentava a principal revista semanal do país.
Aquela mulher que subiu o morro com o Michael Jackson e conseguiu tirar um “I Love You Brazil” do maior artista do mundo como se fosse nada. Ela deveria ser muito braba, eu pensava. E era.
O vírus do jornalismo me pegou muito cedo, quando eu tinha 12, 13 anos e escrevia publicações na escola. E não tinha como Glória não ser referência. A única por muito tempo.
Imagina você uma mulher, preta retinta, com 20 e poucos anos pegando um microfone e aparecendo no principal telejornal do país? Pressionando um presidente ditador, como Figueiredo era e fazer ele falar que “não queria mais que aquela ‘neguinha’ o entrevistasse”? Que cobria a posse de um presidente dos EUA ou um salto de paraquedas com a mesma altivez?
Eu sempre falei que contar histórias era meu maior desejo quando eu decidi ser jornalista. E Glória sabia contar boas histórias como ninguém. Com excelência mesmo. Com uma voz e uma presença incomparáveis, ela com certeza me inspirou. Até porque, assim como Pelé, Glória Maria foi o corpo preto que abriu portas quando ninguém quis abrir no Brasil.
Hoje, um pedaço de cada jornalista preto morre junto com Glória Maria. Mas as portas que ela abriu fizeram que eu e muitos outros irmãos de luta virassem sementes. E agradeço muito por ela ter feito isso possível.