Existe um provérbio japonês que diz que a reputação de mil anos pode ser determinada pelo comportamento de uma hora.
O Japão, um país de história e cultura milenares, ao aliar-se com os Estados Unidos contra a Coreia do Norte nega um passado não muito distante em que o terror assolou sua terra.
Vítima da mesma sanha intolerante norte-americana que hoje volta-se para a Coreia do Norte, o Japão sofreu o único ataque nuclear até agora já visto na história da humanidade.
Não só uma, mas por duas vezes, a até então mais brutal arma já fabricada pelo homem devastava as cidades de Hiroshima e Nagasaki.
De uma certa forma, por todos nós, o povo japonês sofreu consequências irreparáveis para mostrar ao mundo que até na guerra há de se haver limites.
É mais do que compreensível, pois, que seja o Japão o mais interessado país do mundo a querer barrar o avanço do número de nações com tecnologia capaz de fabricar armas nucleares.
Sua posição contrária ao governo norte-coreano (que pelo que pude apurar é compartilhada de uma forma geral pela população japonesa), mais do que uma estratégia geopolítica internacional, assume um contorno quase que de autopreservação frente a uma ameaça real e iminente.
O último teste realizado pela Coreia do Norte onde fez cruzar pelo espaço aéreo japonês um míssil potencialmente termonuclear, acendeu por aqui todas as luzes de alerta num país que sabe, mais do que ninguém, o que é ser alvo de algo tão poderoso.
As sirenes de alerta antimíssil que soaram em províncias do norte como Hokkaido, trouxeram ao país uma sensação de perigo há muito não sentida.
Segundo o gerente do hotel onde estou hospedado, houve, inclusive, críticas ao governo local em função de que em algumas regiões o sistema de avisos não funcionou de forma imediata.
O medo que um novo conflito dessas proporções volte ao cotidiano do país está fazendo até com que uma parcela significante dos japoneses comecem a concordar com uma revisão constitucional proposta por nacionalistas daqui para modificar a cláusula que faz o Japão renunciar “para sempre” a guerra.
A direita clama por mortes no mundo inteiro.
Traumas à parte, o Japão possui, de fato, o poder e o dever de, junto com a China, ajudar a intermediar e restabelecer a paz e a tranquilidade na região.
O grande erro, porém, é ignorar solenemente que o grande problema de toda essa história não é a Coreia do Norte, mas sim o seu maior aliado nessa atual crise.
Os Estados Unidos da América já são durante muito tempo o maior fator de instabilidade política e econômica em todo o mundo.
As suas intervenções, sejam elas abertamente com o uso da força, sejam elas veladas através da cooptação de líderes pouco ou nada comprometidos com seus países, vem minando a soberania de um sem número de nações no decorrer de décadas.
Com a Coreia do Norte não foi e não é diferente.
Massacrada pelos Estados Unidos na Guerra da Coreia no início da década de 50, o país que acabou de comemorar seus 69 anos de existência jamais teve um tratamento civilizado e de Estado por parte dos norte-americanos.
Que suas formas podem e devem ser questionadas, é uma coisa, mas a defesa incansável de sua soberania, jamais.
O Japão, que de uma forma impressionante conseguiu se reerguer das ruínas em que foi reduzido para a atual potência mundial de hoje, não pode de forma alguma permitir que o mesmo USA faça no seu quintal o que fizeram a si próprio algumas décadas atrás.
Mostrar que não fazem parte de uma longa lista de países serviçais dos norte-americanos é condição primeira para a harmonia do leste asiático.
Assumir o protagonismo da intermediação de uma reconciliação entre as Coreias do Norte e do Sul por meios pacíficos deveria ser o múnus japonês nesse confronto.
Evitar a guerra é missão para sábios.
Especialmente no mês em que se é lembrado o ataque dos afegãos às torres gêmeas em Nova York, ninguém deve subestimar o estrago que um pequeno país pode fazer em grandes nações.
Para um povo com uma história milenar, os próximos passos, como alerta o provérbio japonês, poderá determinar a sua reputação – ou a falta dela – pelos próximos mil anos.