E eis que chega ao Brasil, finalmente, um quarto de século depois, o livro que deu origem à série House of Cards, do escritor inglês Michael Dobbs.
Recomendo fortemente.
A história todos conhecem: a escalada cínica, amoral e criminosa de um político rumo ao topo do poder.
No romance, e na série original da BBC, o topo é o cargo de primeiro ministro. Na versão americana, com Kevin Spacey, é a presidência.
É um retrato magistral – e impiedoso — do alto mundo político. E mostra também um lado pouco edificante do jornalismo.
É como se Dobbs dissesse o seguinte: quando um político e um jornalista se unem por conveniências mútuas, a sociedade sai, sempre, perdendo.
Francis Urquhart, Frank Underwood na série americana, é o anti-heroi do livro.
Francis, da cúpula do Partido Conservador, tinha a ambição de um alto cargo no gabinete de um recém-eleito primeiro-ministro britânico.
O cargo não veio.
A frustração raivosa o leva, imediatamente, a tramar contra o premiê. Ele se vale de cúmplices ocasionais, depois brutalmente descartados.
Destes, um dos mais importantes é uma jovem jornalista, Mattie (Zoe no seriado dos EUA).
Francis precisa dela para que sejam publicadas informações que comprometam o primeiro ministro. E Mattie precisa dele para obter furos que lhe permitam ser alguém no jornalismo.
Casos desse gênero são muito mais comuns do que você imagina.
A história por trás de House of Cards é quase tão interessante quanto o próprio livro. Dobbs, em meados dos anos 1980, pertencia à equipe de Margareth Thatcher. Era seu conselheiro.
Em 1987, Thatcher se elegeu para um terceiro mandato com uma monstruosa vantagem sobre a oposição trabalhista. Mas a vitória avassaladora custou caro a Thatcher. Noites insones e uma antológica dor de dente durante a campanha eleitoral fizeram Thatcher virar uma bruxa diante de seus subordinados.
Quando não aguentaram apanhar mais, eles se sublevaram em 1989. E acabaram derrubando Thatcher, para surpresa da Inglaterra e, mais ainda, do mundo.
Dobbs teve a ideia de escrever um livro depois de ser demitido por Thatcher. Ela suspeitava que ele estava conspirando. Dobbs tirou uns dias para descansar e foi para um hotel. Reclamou do livro que estava lendo, e alguém lhe disse: “Por que não escreve um?”
Era uma boa pergunta, ainda que Dobbs jamais houvesse escrito nada e não tivesse nenhuma pretensão de ser romancista.
Ele pegou um caderno e uma caneta, e começou a escrever. Dada a sua raiva, o tema lhe ocorreu logo: a derrubada de um primeiro ministro.
Recentemente, Dobbs disse que jamais pensou que fosse terminar o livro. (Depois do primeiro dia de trabalho, tudo que estava escrito no caderno era F.U., as iniciais de Francis Urquhart. Ou de “foda-se”, em inglês.)
Concluído o livro, disse que jamais imaginou que fosse encontrar uma editora. Tampouco sonhava que a BBC logo transformaria a história numa série de enorme sucesso. (Ian Richardson no papel de Francis está ainda melhor que Spacey no de Frank.)
Hoje com 65 anos, Dobbs é um bem sucedido autor de best-sellers. Francis Urquhart lhe renderia ainda mais dois livros, mas a trilogia vale mesmo pelo primeiro, o que acaba de chegar ao Brasil.
O livro termina quando Francis chega ao poder, depois de uma trajetória singular que vai prender sua leitura a cada parágrafo.
Não posso avaliar a competência de Dobbs como político, mas como autor de best-sellers ele tem claras virtudes.
Os leitores deveriam ser gratos a Thatcher por tê-lo infernizado e, depois, mandado embora.