Isla Negra, a 100 quilômetros de Santiago, já não é mais a praia deserta de 50 anos atrás, nem este sobrado, outrora solitário, é a única construção sobre a escarpa que se impõe diante do Pacífico. Mesmo assim, tudo na velha casa, hoje um museu, ainda exala poesia, paixão. A mobília, arrumada da mesma maneira como a deixou Pablo Neruda, não dá margem a dúvida. Foi aqui onde o poeta maior do Chile, Prêmio Nobel de Literatura, ativista do socialismo e amante inveterado, colecionou seus melhores sonhos e amores ardentes. Fascinado pelo mar, Neruda, que se autoproclamava capitão sem jamais ter comandado um barco, ergueu uma casa com jeito de navio. Portas pequenas, teto curvo, corredores ligando salas “protegidas” por carrancas em forma de sereias. Imagens femininas em meio a presentes recebidos de amigos do mundo inteiro. Mulheres, sempre as mulheres. “Nada está completo se uma mulher não compartilha nossos descobrimentos”, disse o poeta certa vez. Na proa, ao alto, o quarto, a cama rústica e um enorme janelão de vidro descortinando o oceano. Um santuário. Ali, a pequena Matilde Urrutia, terceira mulher de Neruda, embriagou-o de inspiração ao longo dos últimos 20 de anos de sua vida. No guarda roupa, os vestidos e xales ainda denunciam o corpo diminuto, quase uma criança. Suas mãos e pés minúsculos encantavam o poeta. “Tudo o que escrevo é dedicado ela”, disse Neruda, apaixonado.
Se essa casa falasse, certamente sussurraria, com o poeta, os versos delirantes:
Eu te nomeio rainha.
Há mulheres mais altas do que tu, mais altas.
Há mais puras do que tu, mais puras.
Há mais belas do que tu, mais belas.
Mas tu és a rainha.
“Doze dias depois do Golpe Militar ser proclamado no Chile, em 1973, o poeta morreu. Estava doente e os últimos acontecimentos tinham acabado com sua vontade de viver. Agonizou em sua cama em Isla Negra olhando sem ver o mar que estalava contra as pedras debaixo de sua janela”, escreveu Isabel Allende em seu livro Paula.