Usar um suicida é amostra de que o horror bolsonarista não tem limite. Nós temos? Por Nathalí

Atualizado em 12 de março de 2021 às 14:39
Bolsonaro lê carta de homem que teria se matado devido ao lockdown.
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Não há limites para a canalhice bolsonarista. Se você pensou que o “chega de frescura e mimimi, vai ficar chorando até quando?” [pelas mais de 270 mil mortes por coronavírus no Brasil] seria o máximo da necropolítica desvelada do governo Bolsonaro, enganou-se.

Agora, além de responsável direto por essas centenas de milhares de mortes (graças à sua política negacionista diante da pandemia), o Presidente da República ousa também usar a morte, pasme, como bandeira política.

Em live, Jair Bolsonaro divulgou a carta suicida de um feirante baiano que – endividado e impedido de trabalhar pela pandemia – tirou a própria vida. Adailton era querido na Feira de São Joaquim e deixa uma filha, a quem pede desculpas na carta divulgada por Bolsonaro em live. “Cansei de ser humilhado aqui na Feira”, escreveu o feirante, que também culpou o lockdown pela situação que então o levava ao suicídio, razão pela qual a família Bolsonaro enxergou no caso uma oportunidade para atacar a medida.

Não se divulga carta suicida. Muito menos em um país onde o suicídio parece por vezes uma alternativa tão atrativa diante do caos. Mas o bolsonarismo, adivinhem, não se importa. Ao expor o caso para atacar o lockdown, Bolsonaro tentou fortalecer o argumento de que “o efeito colateral do lockdown está sendo mais danoso do que o próprio vírus”, defendendo que apenas idosos e pessoas com comorbidades deveriam ficar isoladas em casa. O resto, que arrisque a vida pra sobreviver (e isso é tão contraditório quanto o próprio bolsonarismo).

Ao lado de Jair, compactuando com o uso político da morte de um ser humano para atacar medidas de contenção de uma pandemia, estava o médico Marcelo Morales, Secretário do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Um profissional da saúde, que deveria estar na linha de frente contra o vírus, cumprindo seu dever ético de salvar vidas, em vez disso se sujeita a ser um dos capangas da necropolítica bolsonarista.

Tal qual urubus em torno da carniça, Bolsonaro e seus lacaios se aproveitam da dor de uma família enlutada  para fazer o que faz de melhor: jogo político sujo.

Ao atacar o lockdown na Bahia, para além de reafirmar seu negacionismo e fortalecer a ideia de privilegiar o mercado em detrimento de vidas humanas, Bolsonaro intenciona também atacar Rui Costa, o governador petista e um de seus principais oponentes políticos no nordeste.

Na Bahia o lockdown vai até o dia 15 de março, podendo ainda ser prorrogado novamente, como tentativa de reduzir as mortes pelo vírus e atrasar o colapso inevitável do sistema de saúde do estado. De que outra arma dispõe um governador para tentar conter uma pandemia em um país cujo governo parece trabalhar a favor do vírus (e da morte)?

Graças ao negacionismo bolsonarista e à ausência de medidas eficientes de contenção da pandemia por parte do governo federal, vivemos no Brasil o pior momento da pandemia. Pico de mortes, falta de leitos, gente morrendo por falta de oxigênio em Manaus.

Enquanto isso, o Ministro da Saúde confunde Amazonas  e Amapá e manda as vacinas pro lugar errado. “O Brasil tá lascado”, alguém diria.

O mais chocante nisso tudo é que, mesmo diante das centenas de milhares de mortes e de um governo que não apenas não combate a pandemia como também sabota quem tenta combatê-la, não esteja claro para todas e todos os brasileiros que vivemos sob a égide de um Estado necropolítico.

Quem sabe Bolsonaro precise mesmo divulgar uma carta suicida como forma de atacar o lockdown para que as pessoas entendam. Não basta chamar de “gripezinha” e propor, junto com seus comensais da morte, um miserável auxílio emergencial de 250 reais – que, do jeito que anda a inflação, não daria pra alimentar uma família nem por uma semana, quem dirá pagar dívidas de um feirante para que ele, cansado da humilhação (de ser brasileiro?) não tirasse a própria vida.

Adailton culpava o lockdown, a falta de movimento na feira, o prefeito, o governador.

Como ele, tem muita gente que apanha tanto que não consegue identificar de onde vem a porrada. Endividado, desesperado e no fim da linha, Adailton não se deu conta de que o que mata não é o lockdown, é o vírus. É o negacionismo. É o auxílio emergencial de 250 reais. O que mata é viver num país que não ampara seu povo em um momento de catástrofe: em vez disso, deixa-o morrer à própria sorte, sem oxigênio ou sem sustento, pouco importa.

Assim como tantos outros, Adailton não sabia a quem culpar, nem pra onde ir, e agora está a sete palmos do chão, como as quase 280 mil pessoas mortas por coronavírus no Brasil. Ele não viveu o suficiente para aprender, mas nós ainda podemos: quando você é pobre em um país como o Brasil, infelizmente, uma coisa que você precisa saber é culpar as pessoas certas.

A verdade é que os governos estaduais estão de mãos atadas diante do negacionismo de Bolsonaro face ao coronavírus: não apenas na Bahia se tem feito o possível para perder menos vidas humanas, mas com o presidente literalmente jogando contra, não há muito o que se possa fazer.

Bolsonaro não apoia o lockdown, a vacina e o distanciamento social porque tem a morte como projeto. Sua postura diante da pandemia não é apenas “incompetente” – o que suporia que ele se esforça em algum nível – é também desumana e, não tenhamos medo de dizer, genocida.

Em um governo necropolítico, chorar por nossos mortos é “mimimi”, mas usá-los em um jogo político rasteiro é admissível.

Genocida é pouco. O que governa meu país ainda não tem um nome.