Publicado originalmente no UOL
POR AIURI REBELLO E VINÍCIUS SEGALLA
A “milícia digital” de WhatsApp que compartilha mensagens de apoio ao presidente Jair Bolsonaro e fake news e ataques contra aqueles vistos como adversários do governo é organizada em fóruns numerados, com pautas coordenadas, agendas e administração centralizada.
Por meio de grupos com rede de administradores trabalhando de maneira integrada, é possível estabelecer ações conjuntas de ataques a adversários ou campanhas em favor de agendas políticas.
Nos últimos dias, a jornalista Patrícia Campos Melo, do jornal “Folha de S.Paulo”, por exemplo, foi alvo de uma orquestração desse tipo. O UOL acompanhou a movimentação nesses grupos.
Na terça-feira (11), uma testemunha depôs na CPI mista das Fake News, no Congresso Nacional, e fez diversas afirmações falsas sobre o trabalho e a conduta da jornalista. O depoente trabalhou em uma empresa de envio em massa de mensagens de WhatsApp durante as eleições de 2018, e foi uma das fontes nas reportagens que ela escreveu sobre esta história.
Desde terça-feira, poucas horas após o depoimento da testemunha, começaram a chegar nos grupos links para notícias falsas, memes e vídeos dessa ação coordenada contra a jornalista.
O passo a passo da campanha difamatória
Primeiro, sites especializados em fake news, notícias distorcidas e hiperpartidárias publicam a “notícia”. No caso, a de que a jornalista havia assediado a fonte em troca de informação e outras sobre o mesmo alvo.
Após as acusações, a Folha publicou trechos das conversas entre a jornalista e a fonte que desmentem as declarações dadas na CPI.
A relatora da comissão parlamentar de inquérito, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), pediu ao MPF que investigue o depoente pelo falso testemunho. O PTB, partido ao qual era filiado desde 2010, anunciou sua expulsão pelas mentiras e ataques à jornalista durante o depoimento.
Até lideranças do PSL ligadas ao presidente Jair Bolsonaro condenaram o depoimento, como o caso do senador Major Olímpio (PSL-SP).
Realidade não faz diferença
Nada disso, no entanto, fez diferença na disseminação de fake news nestes grupos de WhatsApp. Mensagens com calúnias contra a jornalista continuavam a chegar nos grupos de discussão até o final da semana.
Após os primeiros links com a notícia, começaram a aparecer nestes fóruns de discussão links para postagens das redes sociais de expoentes bolsonaristas, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), repercutindo a “notícia”.
Em um terceiro momento, aparecem os memes. Nestas peças, o tom costuma subir e os alvos são vítimas de xingamentos, montagens grosseiras e ilações fraudulentas.
Este material recircula por vários dias em diversos grupos de WhatsApp até serem substituídos por um novo assunto do momento.
Chama a atenção que vários dos memes são assinados por pessoas, sites ou grupos de direita com forte atuação nas redes sociais.
Lula e o Papa
Outro assunto que mobilizou a “milícia digital” foi a visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Papa Francisco, nesta semana.
O encontro reforçou a desconfiança que setores do espectro político da direita tem em relação ao líder católico.