Rogério Xavier Salles há mais de dois anos vende balas na rua por R$ 2,00 o pacote para sobreviver na economia bolsonarista de emprego zero.
Pobre e negro, é alvo clássico.
No dia 28 de agosto, em Osasco, policiais o levaram preso por tráfico.
Parêntese: a utilização da figura ‘tráfico’ para efetuar flagrantes é uma das maiores e mais recorrentes baixezas do estado policial seletivo em que vivemos e para melhor entendimento recomendo o livro “Desmilitarizar”, de Luiz Eduardo Soares.
Voltemos à vaca fria.
Ao delegado, foram apresentados 23 gramas de cocaína que, segundo os PMs que efetuaram a detenção, eram de Rogério. O delegado Flávio Garbin, do 8º DP de Osasco, lavrou o boletim e mandou Rogério para trás das grades.
Tudo dentro da normalidade brasileira.
Havia, contudo, um porém. Ou melhor, dois poréns. Os dois laudos do Instituto de Criminalística atestavam que a substância apreendida não era cocaína.
Dois laudos.
O delegado deu de ombros e redigiu o relatório final de inquérito afirmando exatamente o contrário do que apontava o IC.
“Requisitada a perícia no IC para a substância entorpecente (…) que constatou a presença de: Item Único COCAÍNA, massa bruta: 21,47 gramas, massa líquida: 6,76 gramas, substância entorpecente de uso proscrito”, foi o que escreveu o delegado quando, na verdade, o laudo afirmava exatamente o contrário.
“A análise do material descrito fez o uso de teste colorimétrico empregado reagentes químicos adequados e NÃO FOI DETECTADA a presença de substâncias rotineiramente pesquisadas neste Laboratório”, é o texto.
“O laudo demonstrou que ele não estava portando substância entorpecente. Deu negativo no mesmo dia da prisão. Então não havia prova e materialidade do crime, para ser realizada a prisão em flagrante.
Mesmo assim o delegado formalizou o flagrante na delegacia. O laudo que constatou que a substância encontrada com o detido não era cocaína, nem outra droga, já estava nos autos quando a audiência de custódia foi realizada no dia seguinte da prisão em flagrante, em 29 de agosto.
Pelo visto, promotoria, a defensoria e o juiz não observaram o laudo negativo de substância entorpecente. Para que serve então uma audiência de custódia?
A prisão em flagrante era completamente ilegal e ainda foi mantida na audiência de custódia.
Outro erro é a polícia civil, o Ministério Público e o Judiciário darem presunção de veracidade nestas ocorrências para as afirmações dos policiais militares, sem outras testemunhas civis isentas”, disse o advogado Ariel de Castro Alves.
Rogério ficou preso até a última segunda-feira quando então o juiz José Fernando Azevedo Minhoto, da 4ª Vara Criminal, tomou conhecimento dos autos e identificou “incontornável nulidade” no flagrante. Expediu o alvará de soltura e concessão de liberdade provisória.
Se a lei de abuso de autoridade já estivesse valendo, o delegado do caso – bem como os policiais envolvidos – poderiam estar enrascados.
Art. 29 – Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado.
Pena – detenção de 6 meses a 2 anos, e multa.
Mas-porém-contudo-entretanto-todavia, não apenas a lei é ainda uma nuvem sujeita a dissipar-se, como Jair Bolsonaro já passou a tesoura nela em diversos artigos.
Assim permaneceremos assistindo ao show de helicópteros de Witzel atirando a esmo contra comunidades, permaneceremos vendo as detenções por ‘tráfico’ de garotos da periferia, admiraremos a expansão da população carcerária até o ponto de ebulição.
Esses fatores que tornam nossa desigualdade social tão aguda e tão repugnante só tendem a piorar com os governantes que vieram na esteira do bolsonarismo. Leis que busquem um freio nos abusos dificilmente sairão do papel.