Pulverização de agrotóxico em plantação de cana de açúcar na Usina Caetés, vizinha ao assentamento da Associação dos Agricultores Familiares do Projeto de Assentamento Regência, na cidade de Paulicéia, interior de São Paulo, queimou milhares de pés de urucum, feijão de corda, mandioca dos lavradores e provocou prejuízo milionário.
Também estragou hortaliças, legumes, verduras, abóbora, melancia e outras frutas, além de árvores frutíferas plantadas em volta das casas e até as árvores que fazem sombra para as pessoas. O veneno foi jogado por drones sobre os pés de cana de açúcar da usina e foi levado pelo vento para a vizinhança. O problema ocorreu entre os dias 15 e 19 de março.
O prejuízo estimado por dez famílias de agricultores ultrapassa a casa dos R$ 500 mil, de acordo com o presidente da Associação dos Agricultores Familiares de Paulicéia, José Luiz das Chagas. Além disso, os agricultores não poderão cumprir o contrato que têm com o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), ambos do governo federal.
Eles entregam alimentos à merenda escolar em creches e escolas de educação básica da região e para famílias em situação de vulnerabilidade social assistidas por esses programas. Também deixarão de vender seus produtos nas feiras livre na cidade de Paulicéia.
“O vento leva para longe as gotículas do veneno despejado pelos aviões ou drones da usina sobre a plantação de cana de açúcar. Em dez dias, os assentados perderam toda sua lavoura”, acusa o advogado da Associação, Eduardo de Macedo Cunha.
O assentamento faz parte do projeto de reforma agrária do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) do governo federal. Teve início em 2004 e hoje conta com 63 famílias que vivem do que plantam em aproximadamente 170 alqueires e comercializam os produtos.
“Estamos muito tristes, desanimados. O que fazer agora? É um crime ambiental. Nos próximos 100 dias não teremos produtos para estar comercializando nas feiras livre. Também haverá problema para entregar produtos para a merenda escolar e para pessoas em situação de vulnerabilidade”, explica Chagas.
Além dos limites do Assentamento Regência, o agrotóxico pulverizado sobre a cana de açúcar da Usina Caetés também tem prejudicado plantações em chácaras e sítios da região, localizada a 25 quilômetros do centro do município de Paulicéia. Está matando desde pequenas hortas até árvores frutíferas desses locais. O problema vem mobilizando a população e os poderes Executivo e Legislativo da cidade.
De acordo com o coordenador estadual da Comissão Pastoral da Terra de São Paulo (CPT-SP), padre Severino Leite Diniz, há anos o assentamento Regência vem sofrendo danos com a pulverização aérea realizada pela Usina Caetés na região da plantação das famílias. Eles alegam que o agrotóxicos levado pelo vento, além de matar as plantações e animais, prejudicam a saúde das famílias de lavradores, contaminam o solo e rios da região.
O advogado da Associação, Eduardo de Macedo Cunha conta que drones despejaram o veneno sobre a plantação de cana de açúcar nos dias 17, 18 e 19 de março. O vento levou o produto para as áreas vizinhas e atingiu a lavoura, animais e moradores. “O pessoal vem se queixando de fortes dores de cabeça, náuseas e vômitos. Sem contar com os enormes prejuízos com a queima e morte imediatos das plantações”, denuncia Cunha.
De acordo com engenheiros agrícolas, algumas árvores frutíferas como as das espécies cultivadas no assentamento, levam anos para começar a produzir. E outras somente frutificam na sua fase adulta, como por exemplo as árvores de urucum. O fruto do urucum produz o colorau.
O envenenamento de milhares de árvores de urucum, de acordo com José Luiz das Chagas, levara à perda da safra deste ano. “E só teremos uma nova safra quando essas árvores forem replantadas e crescerem, o que demorará pelo menos mais dois anos”, denuncia o presidente da associação dos lavradores.
Problema antigo
O advogado dos assentados, Eduardo de Macedo Cunha, conta que as famílias de lavradores vêm sofrendo problemas provocados pela usina Caeté há 16 anos. O agrotóxico usado na plantação de cana de açúcar também matou mais de 2 mil pés de uva, impediu prosseguimento da criação de bicho da seda e de abelhas produtoras de mel.
“Os agrotóxicos são lançados no ar atingem os rios da região, contaminam o solo, as lavouras, os animais e as comunidades locais. Isso ocorre desde que foi instalada a unidade industrial da usina”, explica o advogado.
Mas há muitos outros problemas provocados pela Usina Caeté, segundo relatos das famílias assentadas. Quando é ateado fogo no canavial, as chamas chegam a entrar dentro do assentamento. O tanque de vinhaça atrai muitas moscas, o que prejudica a produção de leite, pois as vacas são atacadas pelas moscas. Perdeu-se também gado que comeu capim envenenado, reclamam os assentados.
A Comissão Pastoral da Terra e a Associação dos Agricultores Familiares de Paulicéia registraram em fotos e vídeos de todo o estrago provocado na semana passada pela substância química despejada pelos drones. As vítimas também procuraram a Delegacia de Polícia de Paulicéia, onde foi lavrado um boletim de ocorrência com informações sobre as perdas e danos. Uma comissão de agricultores foi recebida na Prefeitura da cidade. O prefeito Antônio Simonato se comprometeu a enviar equipe de engenharia agrônoma para monitorar o problema, segundo a CPT.
“É muito grave o que aconteceu aqui. As pessoas também foram atingidas, umas com dores de cabeça ou vontade de vomitar, tosse. Ficou insuportável para respirar”, queixa-se José Luiz das Chagas.
Ele também é guardião de sementes crioulas. São mais de 100 espécies de sementes e plantas produzidas no local e enviadas para 39 aldeias indígenas paulistas, numa parceria com o CIMI (Conselho Indigenista Missionário). As principais sementes cultivadas são de variedade de milho e feijão. “Essa pulverização contaminou parte dessas sementes”, reclama Chagas.
De acordo com o padre Severino, da CPT, há vídeo que mostra o avião da Caeté fazendo a pulverização muito próximo das plantações dos assentados. “Queremos resolver esse problema, fazer uma audiência pública para discutir o que está acontecendo no meio ambiente da região. A pulverização com substâncias químicas atinge mais do que a área do assentamento”, explica o padre.
Resposta da Usina Caeté
A direção da Usina Caeté enviou nota através da assessoria de comunicação do Grupo Carlos Lyra, proprietária da empresa.
“Nesta terça-feira (28), ocorreu uma reunião com representantes e o advogado dos assentamentos, onde a empresa informou que está averiguando tecnicamente o ocorrido. As partes concordaram em aguardar os levantamentos para estruturação de possível acordo de convivência”, relata o texto.
Mas não foi respondido questionamento da reportagem sobre que tipo de produto está sendo jogado pelas aeronaves sobre a plantação de cana de açúcar. “Quanto às informações técnicas, elas estão sendo averiguadas”, complementa a resposta da empresa.