TRABALHEMOS COM A PIOR HIPÓTESE para a esquerda e para os que defendem soberania nacional na periferia: Nicolás Maduro fraudou as eleições, como tudo indica. A consequência lógica é forçá-lo a entregar o poder, cumprindo assim o princípio da alternância liberal.
OCORRE QUE NÃO EXISTE aqui princípio algum de alternância: a chapa do outro lado representa a extrema-direita global, com laços estreitos com a OTAN e tudo o que daí advém. Sua primeira ação no poder será eliminar o artigo 303 da Constituição, no qual se lê: “Por razones de soberanía económica, política y de estrategia nacional, el Estado conservará la totalidad de las acciones de Petróleos de Venezuela, S.A.”. A partir daí, o inferno é o limite.
COMO O CHAVISMO não montou uma ditadura real, mas um regime cujos mecanismos de defesa comprometem pleno funcionamento democrático, é preciso reconhecer que o governo goza de boa aceitação popular. Somente repressão militar não explica sua capacidade de iniciativa e de galvanizar a opinião pública para resistir a nove tentativas de golpe a partir de 2002 e a uma década de pesado cerco econômico imperial. Em síntese, mesmo em condições de isolamento, Maduro resistiu e possivelmente resistirá por bom tempo. Derrubá-lo não será um passeio. Se chegar ao poder, a oposição terá de recorrer a medidas repressivas e massacres, como ocorreu na Bolívia em 2019-20 e no Peru em 2022-23.
MUDADA A CONSTITUIÇÃO, abre-se caminho para a estratégia vinda de fora: privatizar não apenas a PDVSA, mas as mais volumosas reservas de petróleo no planeta. Embora sejam hoje os maiores produtores mundiais do produto, os EUA precisam de estoque estratégico, como demonstrado diante do corte de fornecimento de petróleo e gás à Europa, na esteira da guerra na Ucrânia. Para Washington não se trata apenas de se assenhorar de maior quantidade de barris, mas de comandar seu fluxo e, por conseguinte, o preço internacional. Depois do controle da moeda de referência mundial, é preciso controlar o combustível que move o mundo.
ASSIM, A DISPUTA vai muito além da contagem de votos venezuelana, ou da qualidade de vida que a população local poderá ter num hipotético período pós-chavista. Significa tomar vantagem estratégica frente ao conflito que importa, a do eixo do poder global Ocidente/ Oriente. Mais do que a soberania venezuelana, é o poder planetário que está em jogo. Para a Venezuela, para seu Estado nacional e para seu povo, são mudanças de reversão quase impossíveis. O que sobrar do país será reduzido a um protetorado estadunidense de segunda linha, um cosplay de Porto Rico.
O DILEMA PARA A ESQUERDA em todos os países está em realizar separadamente uma disputa que preferencialmente deve ser embalada num único pacote. Ou seja, a luta por soberania e democracia. Na Venezuela, defender soberania implica passar por cima de resultados eleitorais objetivos. E defender a democracia eleitoral hoje significa triturar o país.
A ESCOLHA É AMARGA, qualquer que seja a opção. Ela é inescapável. Por isso a tarefa inicial no enfrentamento em curso implica que os dois lados joguem fora qualquer ranço de hipocrisia ou falsos moralismos. É duro e feio, mas a vida é assim.
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