No Brasil dos fundamentalistas pró-vida, a pena por chutar a barriga de uma mulher grávida quinze vezes é de míseros dezoito dias. Um dia e uns quebrados por cada chute, em regime aberto.
Victor Chavez, cantor sertanejo da extinta dupla Victor e Léo, foi condenado por agredir a esposa grávida com chutes. Na ocasião, a agressão foi filmada por câmeras de segurança e o agressor teve a pachorra de gravar um vídeo em que debochava do caso.
O vídeo gravado em fevereiro de 2019 voltou a circular nas redes nesta semana, quando a vergonhosa condenação do ex-cantor foi divulgada. Na imagem, ele encena uma entrevista consigo próprio na qual faz uma piada de péssimo gosto com o episódio.
O que deixa um homem tão confortável para não apenas agredir, mas debochar da agressão?
Sua posição de privilégio, claro, somada ao fato de ele saber-se cidadão de um país que permite comportamentos horrendos quando se tem algum poder. Por aqui – e disso homens como Victor sabem – agressores encontram não apenas perdão, mas adoração – vide o caso do assassino Bruno, recebido por fãs com máscaras de cachorro na saída da delegacia.
Não qualquer agressor, claro. Tudo depende da sua posição social e da cor da sua pele, não necessariamente nessa ordem. O poder punitivo brasileiro não marca bobeira. Nossas leis, quando alisam, deixam pior que ralo, se você for pobre e preto o suficiente.
Rafael Braga, o catador de recicláveis que portava um pinho sol e 0,6 gramas de maconha, que o diga. Preto, pobre, condenado a 11 anos e seis meses. Não há vídeos de seu “crime”, apenas o relato dos policiais que efetuaram a prisão.
Rafael Braga jamais debocharia do próprio crime, acaso tivesse cometido um, porque seu lugar social não lhe permite isso. No Brasil, só um homem branco na posição de Victor Chavez pode debochar da própria condenação e ridicularizar o relato da vítima, porque ele sabe que está autorizado por uma estrutura inteira.
Quanto vale a liberdade de um homem branco no Brasil?
Quanto vale a liberdade de um homem preto no Brasil?
Quanto vale a integridade física de uma mulher grávida neste país pró-vida?
E, finalmente, o que se sucedeu à vítima de Victor Chavez enquanto a justiça finge cobrá-lo por seu crime?