No mesmo dia em que o vereador eleito e líder do MBL Fernando Holiday publicou no Facebook sua intenção de propor a revogação do Dia da Consciência Negra, o ator Lázaro Ramos recusou uma homenagem do Senado a personalidades engajadas na proteção e promoção da cultura negra.
Desavisados e mal intencionados poderão enxergar um alinhamento entre o discurso do Holiday e a atitude do ator baiano. Os dois, porém, estão em extremos opostos da militância política.
O ator baiano poderia muito bem fazer o papel de “negro da casa” e silenciar em relação às questões raciais. Bem sucedido, coleciona prêmios de crítica, dirige peças de teatro, escreve livros, atua em novelas e programas de apelo popular da Rede Globo. Certamente ganha um bom dinheiro.
Mas em vez de defender a falácia da meritocracia como o rapaz do MBL ou procurar a saída à Morgan Freeman recitando que o racismo acabará se deixar de falar nele, Lázaro Ramos escolheu o caminho menos confortável.
Ele, junto com a esposa Taís Araújo, é combatente contumaz na luta contra o racismo. Fala da importância da representatividade dos negros na televisão e do extermínio da juventude negra sem medir palavras. Dirige e apresenta o programa de entrevistas Espelho do Canal Brasil, que destaca assuntos relativos à negritude.
Quando consegue brecha na agenda, participa de debates com movimentos populares. Como em abril deste ano, quando ano esteve no encontro da Uneafro, uma rede de cursinhos pré-vestibular comunitários.
Atualmente Lázaro e Taís atuam em “O Topo da Montanha”, peça que fala do último dia da vida de Martin Luther King Jr.
Há alguns anos Lázaro dirigiu a peça “Namíbia Não”, texto provocador sobre um futuro onde os negros brasileiros são obrigados a retornar a África como forma de reparação pelas consequências da escravidão.
Mesmo em trabalhos com maior pegada comercial, como a série “Mister Brau”, Lázaro não foge da luta contra o racismo.
Na disputa à prefeitura do Rio de Janeiro, esteve do lado de Marcelo Freixo, para quem fez campanha nas redes sociais. Em tempos de extremismos políticos, tomar partido por causas e políticos progressistas pode colocar em risco carreiras ou contratos de artistas globais.
Lázaro não parece ter esse medo. Ao recusar a Comenda Abdias do Nascimento no senado, explicou que o momento atual não pede homenagens e sim reflexão.
“Neste momento não me sinto confortável e nem desejoso de nenhuma homenagem pois acho que o momento do país é de conscientização, de organização para compreender em que momento histórico estamos e quais passos precisamos dar para fazer com que a tão sonhada igualdade aconteça um dia de verdade.
Então, por esse motivo, recuso essa homenagem na esperança de que tenhamos consciência de que o importante não é o aplauso pelo que foi feito e sim o próximo passo a ser dado”, diz a nota enviada à comissão responsável pela comenda.
Com um Senado habitado por elementos como Collor, Ronaldo Caiado, Magno Malta, Renan Calheiros e Aécio Neves, onde a Constituição foi aviltada pela conclusão do processo de impeachment da presidente Dilma, fica fácil compreender a negativa de Lázaro.
Pela sua coragem, honestidade intelectual e compromisso no combate ao racismo, Lázaro Ramos inspira a luta outros negros e negras.
Exceto aqueles que contaminados pelo jeito Holiday de ser, desprezam estatísticas, ignoram a História e estufam o peito para chamar qualquer ação afirmativa de vitimismo.