Publicado originalmente pelo Jornalistas Livres:
No dia 06 de agosto, em plena pandemia provocada pelo novo coronavírus, a Prefeitura de São Paulo, com auxílio da Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana, promoveu uma tentativa de despejo e destruição de moradias de famílias que atualmente ocupam uma área livre na Avenida Pedro Bueno, na confluência com a Rua Josué de Castro. Nessa área está a Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, localizada entre as subprefeituras Jabaquara e Santo Amaro.
A subprefeitura do Jabaquara denominou pomposamente a ação de “desfazimento”, mas para as famílias atingidas trata-se mesmo de “destruição de moradias pobres com o que tiver dentro”. Por isso, as famílias resistiram e pediram apoios. A Prefeitura de São Paulo, diante da mobilização, recuou por trinta dias.
Contudo, o prazo final se aproxima perigosamente e, com ele, a pressão das subprefeituras e da polícia militar, sem que alternativas reais e adequadas sejam apresentadas. A gestão pública diz que ali é uma área de risco e que haveria pessoas inescrupulosas fingindo morar no lugar para receber auxílios do governo. Fomos ao local e o que vimos foram famílias reais, de carne e osso, insistindo em defender suas moradias humildes e também reais, com móveis, geladeira, fogão, e outros equipamentos domésticos. São pessoas que lutam desesperadamente por um teto porque já não aguentam mais ser removidas de um canto para o outro.
https://www.youtube.com/watch?v=YKxp5U9JRgc
Essa é a posição de Jacira, Maiara, Bruno e outras tantas famílias removidas das áreas no entorno da operação urbana. A Rocinha Paulistana, uma das últimas comunidades removidas, espalhou famílias sem alternativas habitacionais e uma parte de seus moradores se instalou nos precários barracos, agora sob risco de sofrerem um novo despejo. Outra parte está diante de um dilema terrível porque o orçamento doméstico é curto: ou compra alimentos, ou paga aluguel.
Essas famílias se juntam a uma demanda de mais de 10 mil famílias removidas ao longo da avenida Roberto Marinho e adjacências, contando também as favelas incendiadas. Entre estas há cerca de 3 mil famílias inscritas em programas de aluguel aguardando atendimento habitacional, conforme dados do Observatório de Remoções.
Mas a Prefeitura de São Paulo não entregou nem sequer 20% das habitações de interesse social prometidas às famílias removidas no âmbito da operação urbana Água Espraiada, que destaca-se, foi sucesso financeiro em venda de potenciais construtivos, tendo criado uma nova centralidade e uma elite imobiliária em todo entorno da Avenida Roberto Marinho e construído, com a venda de potenciais construtivos, marcos monumentais como a Ponte Estaiada, que custou a remoção de famílias que ocupavam a área do Jardim Edith. Bem na frente da sede paulistana da TV Globo, aliás.
Na Prefeitura de São Paulo, o conflito fundiário – no meio da pandemia e por isso incrementado de crueldade – não é conhecido como “Novo Chuvisco”, nome que se destacou no último dia 06 de agosto. Esse conflito se territorializa na administração pública como Água Espraiada – Rua Josué de Castro. O que pensaria Josué de Castro, autor de um clássico das ciências sociais “Geografia da Fome” publicado em 1946, ao ver-se nominado num conflito fundiário territorial?
Finalmente, o conflito fundiário Água Espraiada – Rua Josué de Castro não é deflagrado a partir de uma ordem judicial, como tantos outros que vêm sendo noticiados, sobretudo pela campanha Despejo Zero, lançada no último dia 23 de julho. Esse conflito localiza-se no campo do poder de polícia administrativo, e como a própria prefeitura informa, no “desfazimento”. Ação de truculência muito comum na região da operação urbana consorciada Água Espraiada, muito rica no volume de recursos movimentados, mas também muito miserável ao sabor das nossas elites imobiliárias, na medida em que a paisagem é mais importante que a vida.
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