Viralizou nas redes, no último dia 15, um testemunho do jovem Emanuel Carlos. “Eu não sou digno e nem merecedor, eu peco em pensamentos”, diz ele, chorando copiosamente.
“Eu tô chorando tanto porque fui batizado no Espírito Santo. Eu de joelho, chorando, gritando… Eu sou muito grato ao Senhor. Estou aqui para testemunhar que a presença do Senhor é inexplicável. Ele é mistério!”
Emanuel, que assumia a identidade da influenciadora Catty Lares, foi vítima de um processo de conversão, conhecido popularmente por “cura gay”. Convertido em maio de 2023, ao ser batizado em igreja evangélica do Ceará, afirmou que “naquele momento, eu senti a presença de Deus como eu nunca tinha sentido. E Deus falava no meu coração: pega o celular, fala, a hora chegou”.
Esse tipo de prática não encontra guarida em nenhum modelo científico, visto que orientação sexual não constitui doença nem desvio, sendo vetada por resolução do CFP desde 1999, e endossada pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).
O pastor Filipe Scarcella, bissexual assumido, e titular da igreja Soul Livre, relatou, em participação no DCMTV, que na juventude fez parte de retiros de cura gay, tendo, naquele momento, contato com tais torturas de ordem psicológica.
Quanto ao vídeo da influenciadora Catty Lares, Filipe postou em seu X (antigo Twitter): “Esse choro movido pela ideia de ‘pecar em pensamentos’ e se sentir ‘impuro por ser gay’ é um choro de dor e não um ‘mover de Deus’. Basta dessa tortura promovida por instituições religiosas! Cura gay precisa ser equiparado a crime de tortura pelo código penal”.
Em 12 de outubro de 2023, a influenciadora bolsonarista Karol Eller se suicidou após ter “perdido a guerra” (conforme mensagens deixadas por ela). A morte ocorreu um mês após ter rejeitado sua homossexualidade em um retiro religioso. A repercussão gerou debates em todas as esferas republicanas.
A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), apresentou, em 17 de outubro de 2023, um projeto de lei para equiparar as chamadas “terapias de conversão sexual” a crime de tortura. Conforme trecho do PL, “por definição, as terapias de conversão sexual podem caracterizar-se como tortura, principalmente em circunstâncias com dor, sofrimento físico e mental infligido sobre os indivíduos submetidos à prática”.
ta bom ex cattylares pic.twitter.com/1105D0sPon
— caca. (@yoopjkp) January 16, 2024
O projeto ainda carece de atenção necessária para ser votado, e recebe forte resistência da bancada evangélica. A polícia de Anápolis, em Goiás, investigou, em 2020, uma escola que teria proporcionado uma “palestra de cura gay” para seus alunos. O evento teria sido ministrado por uma “ex-mulher trans”.
“Ela disse que a vida dela estava fadada à condenação, à morte, não se sentia feliz e aceita. Falou que a única solução é ‘destransicionar’, aceitar a identidade de gênero biológica, ir pra igreja, ser cristão, casar com sexo oposto, ter filhos e uma família tradicional”, informou Alex, que é membro da comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Goiás (OAB Goiás, para o site da TV Cultura. A Secretaria de Educação de Goiás se manifestou contrária ao evento e comunicou o afastamento da equipe gestora da escola.
Segundo a psicóloga Dalcira Ferrão, em vez de alívio, a pessoa encontra “procedimentos de tortura psicológica e física sem qualquer respaldo técnico-científico para promover saúde”. O que é chamado de “processo terapêutico” consiste, na verdade, em “práticas punitivas, imposição de isolamento social, reafirmação constante de valores morais e disciplinamento cisheteronormativo”, explicou a especialista para o portal Diadorim.
Uma pesquisa do Instituto Matizes em parceria com a All Out mostra existem ao menos vinte e seis formatos de “cura gay” no país, sendo as principais em consultas com psicólogos cristãos, além de ambientes escolares, familiares e, sobretudo, religiosos.
Além destes, há espaço para propostas absurdas como o caso investigado, em 2020, pela Comissão de Defesa dos Direitos humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF): uma clínica de hipnose que promete “garantia vitalícia” para o “tratamento do homossexualismo” (sic). Tudo isso pela bagatela de R$ 29,9 mil. O suposto tratamento tem a duração de seis meses em vinte encontros.