A revista bolsonarista Oeste traz um artigo do general Villas Bôas sobre os yanomamis que é revelador da maneira como os militares encaram a questão.
A visão do sujeito é a mesma do panfleto picareta “A Farsa Ianomâmi”, livro de 1995 que fez a cabeça de Bolsonaro e companhia. Um amontoado de teorias conspiratórias, talve com um certo verniz, que esconde a verdadeira vontade da turma: eliminar os indesejados indígenas.
Em resumo: a culpa pela tragédia yanomami é deles mesmos. Em especial das mulheres, que não usam panelas. Garimpeiros? São provocados pelos indígenas a estuprar, segundo o general. Bolsonaro? Quem??
Os bárbaros cometem infanticídio, além de tudo!
Deleite-se com alguns trechos:
Moram em maloca circular, fechada lateralmente por madeira e coberta com palha, em cujo interior as famílias delimitam seu espaço com redes em torno de um fogo. Nesse ambiente, respiram um ar carregado de fumaça, que, associado à inexistência de hábitos de higiene elementares, e submetidos ao clima relativamente frio e úmido peculiar da altitude da Serra de Surucucu, resulta num alto índice de doenças respiratórias, mormente entre as crianças. A expectativa de vida entre aquela população pouco ultrapassa os 30 anos. (…)
Uma prática comum naquela comunidade é a do infanticídio. Como é próprio da cultura original, as índias se dirigem para o interior da mata quando vão dar à luz. Por força de hábito cultural, é comum o sacrifício do recém-nascido se ele apresentar alguma deformidade, ou se nascerem gêmeos, ou ainda se o primeiro filho for do sexo feminino.
Esse ‘relativismo cultural’ foi denunciado pela revista Veja, em sua edição de 16 de agosto de 2007, acompanhada da informação de que entre 2004 e 2006, cerca de 200 crianças de comunidades indígenas daquela região teriam sido sacrificadas, e que esta prática ocorre em pelo menos 13 etnias nacionais.
Na época, foi bastante divulgada a história da indiazinha Hakani, da etnia suruwaha, do sul do Estado do Amazonas, nascida em 1995. Por não se desenvolver como as outras crianças, foi condenada à morte. Acabou sendo salva por um casal missionário, que a levou da aldeia e depois adotou a menina.
Esses fatos, denunciados pela revista Veja, podem ser confirmados no site que já foi hakani.org, hoje é atini.org.br, disponível na internet. [NE: matéria do DCM mostra que essa ONG, fundada pela ex-ministra e senadora eleita Damares Alves e por missionários pentecostais norte-americanos, está no centro de uma investigação encampada pelo MPF sobre a adoção clandestina de crianças dentro da Terra Indígena Pimentel Barbosa, a 730 quilômetros de Cuiabá. Em 2018, a entidade foi condenada em outro processo].
Reconhecemos a extrema importância que a preservação da identidade cultural indígena requer, em razão de sua fragilidade, quando em contato com outras culturas. A pergunta que se faz é: não teriam as ciências sociais desenvolvido alguma metodologia capaz de proporcionar àquelas populações um nível mínimo de hábitos que lhes permitam evoluir em sua qualidade de vida sem que necessariamente ocorra a perda da identidade cultural?
O que a realidade tem demonstrado é que a tentativa de manter intocados os universos culturais indígenas resulta em uma prática falaciosa, inviável e contraproducente, pois o contato acaba inexoravelmente acontecendo. Caso não seja assistido e orientado, ocorre por meio do descaminho ou de atividades ilícitas, ensejando, geralmente, o vício da embriaguez entre os homens, a prostituição entre as mulheres jovens, o garimpo irregular e a extração ilegal de madeiras.
Por outro lado, o tratamento dado à questão indígena em nosso país tem sido marcado por um forte viés geopolítico. Além da demarcação das reservas, não é proporcionado aos índios o desenvolvimento de atividades econômicas que lhes deem sustentação. Permanecem abandonados e é comum vê-los ameaçados em sua sobrevivência física e cultural.
Essa conjuntura fica muito clara quando se visita a comunidade Yanomami de Maturacá, aos pés do Pico da Neblina, poucos quilômetros ao sul da fronteira com a Venezuela. Os cerca de 1,6 mil habitantes, embora já não vivam em malocas, e sim em residência familiares, restringem seu consumo de proteínas ao que obtêm por meio da caça e da pesca, por não terem ainda alterado o traço cultural de não criar animais. (…)
Um dado importante a ressaltar é que aquela região tem seu bioma absolutamente preservado, não tendo até então sofrido nenhum tipo de dano pela ação de não índios. A tendência que se verifica é que, caso não se introduzam alterações nos hábitos regionais por meio de alguma atividade que lhes supram as necessidades, sérios problemas necessitarão ser administrados no médio prazo. (…)
Por outro lado, não há limites físicos nem distâncias que impeçam o contato eventual entre índios e não índios, principalmente coletores de grande mobilidade, como os seringueiros e os garimpeiros. Nesses contatos fortuitos, é comum algum tipo de escambo, no qual, em troca de alimentos, o não índio oferece seus utensílios. Se for, por exemplo, uma panela, a índia vai com certeza incorporá-la aos seus hábitos, sem conhecer a necessidade de lavá-la. A consequência, em pouco tempo, será a ocorrência de uma inevitável epidemia de diarreia na comunidade. (…)
É chocante, após conviver com essas realidades, constatar o quanto elas são distorcidas quando trazidas à opinião pública nacional. Rarissimamente são divulgadas manifestações por parte dos índios, se elas não estiverem alinhadas com os argumentos ideologicamente filtrados.